2-12.2012

 

Razia de uma família inteira - Tomás Rodrigues, esposa e filhos

 

 

Durante muitos anos, ensinou-se em Portugal que a Inquisição era uma instituição ligada à Igreja, que vigiava a pureza da fé e, através de um julgamento, condenava os hereges a diversas penas, incluindo a morte. E chamava-se-lhe o Tribunal da Fé. Tinha um Regimento e protegia o direito dos réus., que tinham direito a um defensor.  Tudo isto está errado.

A Inquisição não estava ligada à Igreja. Ao longo da história apoiou-se na Igreja quando queria desobedecer ao poder do Rei e no Rei quando não queria obedecer à Igreja. E nunca foi um Tribunal onde a defesa estivesse garantida. O processo da Inquisição não está feito para julgar, mas sim para condenar. A defesa chamada “contestação por negação” nunca foi considerada pelos Inquisidores para nada, mesmo quando é convincente. A defesa por contraditas e coarctadas é posta de lado em quase todos os processos. São raríssimos os processos em que o réu consegue fazer diminuir o crédito das testemunhas através dessa defesa.

A característica principal da actuação da Inquisição é a perversidade, a procura de meios de condenar os réus. E, na minha opinião, deve-se estudar procurando as perversidades de que se servem: as perversidades do Regimento e as dos Inquisidores.  Entre as mais evidentes destas últimas:

Paragem do processo, ficando o preso a apodrecer na cadeia

Vigias dos presos por pessoal da Inquisição e por familiares nas casas de vigia (não estão previstas no Regimento)

Exigência de mais confissões, depois de findos os processos (por exemplo, no período de cárcere a arbítrio).

Estou convencido que, no Sec. XVII,  havia da parte dos cristãos novos uma vontade séria de se integrarem na sociedade portuguesa, de que são sinal os casamentos mistos com cristãos velhos. Infelizmente para eles, eram perseguidos na mesma, num anti-semitismo bárbaro mesmo mais que o dos nazis no Sec. XX, que não perseguiram os judeus integrados em casamentos mistos.

Sim, porque a perseguição dos cristãos novos não tinha, não podia ter quaisquer intuitos de defesa da religião. Esta ideia não é nova, mas parece ter sido esquecida. Mas já João Lúcio de Azevedo escrevia na História dos Cristãos Novos Portugueses (pag. 339): “O antagonismo, que dividia a nação em dois campos, católicos e marranos, era propriamente de raça e só na aparência de religião. Tudo que tendesse a separar os elementos, que deviam confundir-se, avivava o conflito, e mantinha o pretexto das perturbações. “ 

Que foi a Inquisição? A Inquisição foi uma estância de poder, face ao Rei e face à Igreja, que durou quase trezentos anos. Para ter poder, tinha de estar inserida na sociedade, fazer qualquer coisa que agradasse à sociedade do seu tempo, ao povo. Por isso, atacou os cristãos novos que eram odiados como elementos de mais sucesso em termos materiais e por isso mesmo invejados. Para isso, utilizou a religião como pretexto. E sendo o catolicismo a religião de Estado, nem precisava de fazer o trabalho sujo: os hereges entregava-os à Cúria Secular para que os condenasse à morte, eram relaxados.

Havia um problema: como conhecer as convicções religiosas de uma pessoa? Só se ele se manifestasse, se dissesse aquilo em que cria ou não cria. Mas a maior parte das pessoas não era suicida, não iria manifestar em conversas as suas convicções heréticas que lhe trariam muitos dissabores. Assim, inventaram os Inquisidores o sistema diabólico das denúncias. Quando o réu era preso, já lá tinha uma, duas ou muitas denúncias contra ele. Quando ia para se defender, não lhe diziam quem o tinha denunciado, nem quando. Ficava o réu a meditar na vida tentando adivinhar quem o teria denunciado, para poder defender-se. A única solução era também ele denunciar muita gente, pois com sorte acertaria naqueles que o tinham denunciado. Ninguém se conseguia safar sem utilizar este esquema.

Se o réu era vertical e não queria mentir, o mais provável é que fosse parar ao patíbulo. Isto não tinha que ver com as suas convicções religiosas. Podia ter crença judaica ou crença católica, mas esta última não lhe dava defesa nenhuma.

O réu tinha de desempenhar naquele teatro o papel que lhe estava reservado: caso contrário, corria perigo de vida.

Por isso, digo eu que a Inquisição não era tribunal nenhum. Era uma máquina aterradora de triturar cristãos novos. Precisava deles como uma fábrica da sua matéria-prima para laborar.

Pensava eu que as falsas denúncias e as falsas confissões fossem mais nítidas no Sec. XVIII, mas depois de ver umas dezenas de processos do Sec. XVII, convenci-me do contrário. O sistema é exactamente o mesmo e é tão evidente numa época como noutra (deixo de lado o Sec. XVI porque ainda estudei poucos processos dessa época).

Parece-me que há ainda um outro mau costume no estudo da Inquisição: reparar apenas nos que foram mortos no cadafalso e dar pouca importância aos “reconciliados”. Ora isto está perfeitamente errado. É  preciso não se deixar enganar pela brandura da palavra “reconciliado”. Por um lado, havia o confisco dos bens, a condenação ao cárcere a arbítrio e/ou a trazer hábito penitencial, que era extremamente humilhante (para já não falar do degredo para as galés ou para Angola ou Brasil).  Mas a própria humilhação de ter passado pela prisão, mesmo que não tivesse havido confisco, deixava as pessoas amarfanhadas para toda a vida. Veja-se o caso dos reconciliados que fugiram para o estrangeiro, mesmo depois de serem libertados. É que, de facto, o número dos relaxados não é muito elevado: apesar da falta de muitas listas de autos da fé, não deverão ter passado de 3 a 4 000. Mas o número dos que passaram pelas masmorras da Inquisição é muitíssimo mais elevado, vai a várias dezenas de milhares.

 

 

GENEALOGIA (1621)

 

António Fernandes casou com Leonor Lopes e tiveram

 

A)     Filipe Carlos (Pr. 9168-Coimbra-1568)  e de Domingas Fernandes, que tiveram

                            Luisa Lopes (1623-Pr. n.º 2117, de Coimbra) que casou com Marcos Rodrigues, cristão velho,  e tiveram

Isabel Lopes, de 30 anos  – Pr. 4892 Coimbra

Marta Lopes, de 21 anos  – Pr. 7080 Coimbra

Francisco Rodrigues, de 40 anos – Pr. N.º 12913, de Lisboa, casado com Ana Rodrigues, de quem teve

            Luisa, de 7 anos

            Maria, de 5 anos

            Paulina, de 7 meses

Cecília Lopes, de 16 anos – não foi à Inquisição

Manuel Rodrigues, de 30 anos,  casado com Grácia Coutinha (não aparece o processo) que tiveram

            Maria, de 7 anos

Simão Rodrigues, de 22 anos, casado com Maria Fragosa, cristã velha  – Pr. N.º 1021 Coimbra

Filipe Rodrigues, de 26 anos – Pr. N.º 1160 Coimbra

Maria dos Anjos, de 40 anos – Pr. N.º 4283 Coimbra, viúva de Francisco Simões  e teve

          Manuel, de 6 anos

          Francisca

Joana Baptista, de 35 anos –, casada com Bernardo Mendes, não aparece o processo

Diogo Bravo – Pr. N.º 9988 Coimbra

                            Maria Fernandes, casada com Domingos Martins

B)    Francisco Carlos (Pr. N.º 9176 - 1568), casou com Guiomar Lopes e teve

Leonor Lopes (Pr. N.º 9162 Coimbra - 1568), casou com António Fernandes, ourives

Ana Lopes (Pr. N.º 8244 –Coimbra 1567), casou com Baltasar Gomes – 2.º casamento)

C)    Ana Antónia (Pr. N.º 924 - 1567),  casou com Manuel Fernandes e tiveram

                           D. Isabel de Figueiredo (Pr. n.º 6800, de Coimbra), que casou em 1.ªs núpcias com Jerónimo de Aguiar e em 2.ªs com Brás Nunes Mascarenhas.

D)    Maria Antónia – Pr. N.º 937 - 1567, de Coimbra, casou com Simão Rodrigues e tiveram:

Tomás Rodrigues (Pr. n.º 4866, de Coimbra e Pr. n.º 7588, de Lisboa), que casou com Violante de Oliveira (Pr. n.º 42, de Coimbra e Pr. n.º 6081, de Lisboa) e tiveram

Padre António de Oliveira, de 35 anos – Pr. n.º 750

Padre Simão de Oliveira, de 32 anos – Pr. n.º 6069

Padre João de Oliveira, de 27 anos – Pr. n.º 2536

Maria de Oliveira, freira, de 30 anos – Pr. n.º 1515 de Coimbra

Francisco Cardoso de Oliveira, de 28 anos – está em Sevilha

Diogo de Oliveira, de 24 anos  - está em Nápoles

 

Duarte Rodrigues, casado com Luisa Querida, e têm dois filhos

Jorge Rodrigues, que vive em Nápoles, viúvo de Juliana Dias, sem filhos

 

Entre as tragédias mais impressionantes ocorridas na Inquisição do Séc. XVII, ganha relevo a da família de Tomás Rodrigues, descrita sucintamente numa lista de histórias de terror do Jesuíta Padre Manuel Dias do seguinte modo: “Tomás Rodrigues, morador na Rua Formosa, morreu negativo no mesmo auto da fé de António Homem. Sua mulher morreu na Inquisição e seus três filhos, todos eclesiásticos, morreram lá dentro loucos”(Armário dos Jesuítas, Maço 30, n.º 55). Nem esta descrição chega a ser menos terrível e horrorosa por ter um lapso, pois um dos filhos saiu de lá vivo.

Tomás Rodrigues era cristão novo e comerciante em Coimbra, possivelmente com algum sucesso. Casara com Violante de Oliveira, natural de Lisboa. Já tinham nascido todos os filhos do casal, quando foram ambos presos em 1604 (Pr. n.º 4886, de Coimbra, o dele, e n.º 42, o dela, ambos da Inq. de Coimbra). Logo no início de 1605, foram ambos soltos, em face do perdão geral concedido pelo Papa aos cristãos novos. Dirá Violante no seu processo em Lisboa (n.º 6081, fls. 31) que em 1605, ao ser libertada se lhe dera “uma sentença em que se declara que aquilo não seria dado em culpa, como que se nunca fora presa”. Quem não entendeu isso foi a população de Coimbra, onde se desencadeou um motim contra todos os cristãos novos, mas especialmente contra os libertados naquela altura. Pegaram mesmo fogo às portas e janelas da casa de Tomás Rodrigues. O sentimento anti-semita em Coimbra era tão forte que o mandado de prisão de Tomás Rodrigues em 1621 tem este naco de prosa:

“… e Coimbra, donde o Réu é natural, haver tanto judaísmo e outras p.tes (será pestes?), que se pode presumir hoje que toda a pessoa de Nação daquela cidade tem crença na Lei de Moisés…”

De passagem, note-se que os processos aqui referidos foram elaborados nos termos do Regimento da Inquisição de 1613 que, sendo menos organizado que o de 1640, é porém às vezes mais ingénuo e transparente. Por exemplo, todos os processos têm no seu interior o processo de decisão que levou ao mandado de prisão. O estudo do Regimento é condição prévia para a consulta dos processos.

Decidiu então Tomás Rodrigues mudar de ares e no mesmo ano de 1605, pegou na família toda e foi para Lisboa. Em Coimbra, no Convento de Celas, ficou sua filha Maria que, segundo tudo indica, já tinha decidido professar, apesar de ter apenas 15 ou 16 anos; aliás, vivia em conventos desde os oito anos.

Em Lisboa, prosperou com facilidade, sobretudo quando entrou em negócios de importação do Brasil e venda para a Europa.

Tendo ainda presente o susto que tivera ao ser preso em 1604, pareceu-lhe que a melhor solução para fugir à Inquisição seria colocar os filhos na carreira eclesiástica. E de facto, foram eclesiásticos os quatro filhos mais velhos, três clérigos de missa e Francisco Cardoso, clérigo de ordens menores. Quando, depois, ele foi preso em 16-12-1621, o filho mais novo, Diogo, estava em Nápoles em casa de um tio paterno, Jorge Rodrigues, ali residente. A um outro filho, Francisco Cardoso, tinha-lhe acontecido um percalço de que não consegui uma notícia mais completa: ao passar por Sevilha, dirigindo-se a Roma, foi preso pela Inquisição e, em Portugal, a família não tinha mais notícias dele, ou, pelo menos, assim o declararam na Inquisição de Lisboa.

Para os quatro filhos eclesiásticos, arranjou Tomás Rodrigues (isto é, comprou) benefícios eclesiásticos que lhes proporcionavam um rendimento para a vida, implicando embora, no caso dos sacerdotes, o exercício de funções pastorais.

A sua vida corria normalmente, quando lhe chegou notícia de um facto inquietante: a sua filha freira, Maria de Oliveira, fora presa em 25-11-1621, pela Inquisição de Coimbra (Pr. n.º 1515, infelizmente inconsultável por estar em mau estado). Umas freiras, suas companheiras, tinham-na acusado de judaísmo. Não chegou a acusar o pai, nem os irmãos, mas teve de acusar alguém e foi libertada em 20-7-1623.

Não era bom sinal. Tomás foi preso em 16-12-1621 (Pr. n.º 7588), quando tinha 62 anos. O mandado de prisão era justificado por uma denúncia de Francisco de Almeida, médico (Pr. n.º 12497 e 12497-1), com uma história de vida semelhante à de Tomás, pois exercera a profissão em Coimbra, onde nascera e depois é que viera para Lisboa. Preso em 1619, estivera negativo até ser condenado ao patíbulo, mas depois, para salvar a vida, denunciou tudo e todos. Para além desta, havia depois uma denúncia de Bernardo Perez, familiar do Santo Ofício e vizinho de Tomás. O que ele contou era tudo falso, mas os Inquisidores não se incomodaram muito com isso, nem sequer a averiguar se era verdadeiro. Um escravo de Tomás, que tinha raiva ao patrão e dono, é que fora contar ao Bernardo Perez o que este depois transmitiu ao S.to Ofício. Tomás mandara o escravo ou escravos levar para embarcar num navio que estava ancorado, uma caixa (dizia-se então, caixão) muito grande e o escravo e o B. Perez concluíram que a família se preparava para fugir para o estrangeiro. Ora a caixa levava mobílias e roupas para o filho que estava em Nápoles. Outro facto foi que um ano antes ou pouco mais, Tomás tinha recolhido em sua casa, duas jovens, Isabel de Vitória e sua irmã Maria de Vitória, filhas de Matias de Vitória (1619 – Pr. n.º 5748), que estava preso na Inquisição (Este Matias era primo de João de Vitória – Pr. n.º 7129 -, que faleceu na prisão em 16-8-1625 e foi depois ao auto da fé em estátua em 1638). As moças saíram cerca de um ano depois de casa de Tomás e o familiar da Inquisição concluiu e disse que tinham ido para o estrangeiro. Não era verdade, tinham ido para casa de um parente e estavam em Lisboa. E assim foi preso, mencionando-se na decisão da prisão o “perigo de fuga”!

Tomás Rodrigues, dada a sua posição e bens, deveria ter muitas relações, pois do processo constata-se que ele conheceu depressa toda a história da sua prisão. A fls. 18 e 19, um documento bem escrito, aparentemente vindo do exterior da prisão, rebatendo todas as acusações.  Mas os Inquisidores não lhe ligaram importância, tinham outros meios de o apertarem.  De Coimbra, vieram sucessivamente as denúncias de judaísmo:

- de Maria dos Anjos (Pr. n.º 4283, de Coimbra), filha de sua prima Luisa Lopes;

- de Luisa Lopes (Pr. n.º 2117, de Coimbra) sua prima direita;

- de Joana Baptista, filha da anterior (não aparece o processo);

- de Filipe Rodrigues (Pr. n.º 1160, de Coimbra), irmão da anterior;

- de Diogo Bravo (Pr. n.º 9988, de Coimbra), irmão dos anteriores;

- de Francisco Rodrigues (Pr. n.º 12913, de Lisboa), irmãos dos anteriores;

- de Simão Rodrigues (Pr. n.º 1021, de Coimbra), irmão dos anteriores;

- de Fernão Dias da Silva, Cónego, de Coimbra (não aparece o processo – está na Lista do auto da fé de 18-6-1623, em que foi relaxado).

Estas denúncias são bastante estranhas, sobretudo as de sua prima e filhos desta, de quem ele nunca suspeitou. Há um documento no processo que pode explicar tudo. Em 18-3-1623 (fls. 48), o réu pede Mesa e diz que quer estar com o Procurador para deduzir artigos de suspeições contra o Inquisidor de Coimbra, Sebastião de Matos Noronha, o que lhe é deferido. O Procurador João do Couto Barbosa escreve os artigos a fls. 49 e v. indicando também testemunhas para serem ouvidas. Dois dias depois, os Inquisidores encerram o assunto com um despacho (fls. 50) que é um tratado de hipocrisia: “Foram vistos na mesa do S.to Ofício aos 20 dias do mês de março de 1623 anos as suspeições atrás com que o réu Tomás Roiz vem ao Sr. Inquisidor Sebastião de Matos Noronha e pareceu que a testemunha Luísa Lopes que o dito senhor somente perguntou contra o Réu se reperguntasse por outro Senhor Inquisidor e que para isso se passe comissão e que se escrevesse ao mesmo Senhor que em matérias tocantes ao dito Tomás Roiz fosse servido de se não intrometer e que com isso ficavam cessando as ditas suspeições.”  Formalmente, parece estar tudo bem. Luísa Lopes tinha deposto em Coimbra perante o Inquisidor Sebastião de Matos Noronha em 20-9-1622 (fls. 26). Seria reperguntada agora por outro Inquisidor, como foi de facto em 20-5-1623 (fls. 28). Mas na Inquisição portuguesa, as repetições dos depoimentos sofrem de um vício capital: em vez de perguntarem a testemunha, limitavam-se a ler-lhe o seu depoimento e perguntam se ela confirmava ou não o que acabara de ouvir. Como é evidente, eram muitos raros os casos em que a testemunha modificava o seu depoimento anterior.

Mas, sobretudo, é muita hipocrisia pedir ao Inquisidor Sebastião de Matos Noronha que não se meta mais no processo. Se ele o fez, já o tinha feito. Não parece haver dúvidas que alguém sugeriu à Luísa Lopes e aos filhos a catadupa de denúncias que fizeram contra a família de Tomás Rodrigues, com quem nem sequer tinham relações.

Quanto aos fundamentos da suspeição eles são relativamente mais claros na arguição contra o mesmo feita pelo filho, Padre João de Oliveira a fls. 50 do seu processo (n.º 2536). Em 1619, Filipe III de Espanha (2.º de Portugal) veio em visita a Portugal demorando-se uns quatro meses (de Junho até ao fim de Setembro) em Lisboa. As pessoas gradas do Reino queriam estar Lisboa durante a estadia do Rei. Sebastião de Matos de Noronha, Inquisidor em Coimbra, tinha cedido a sua casa a seu irmão António de Matos. Dirigiu-se então ao aposentador-mor, Simão de Melo para que ele lhe arranjasse casa, mas este não conseguiu encontrar nenhuma. Ao ver-se sem casas, quis que Tomás Rodrigues e a família lhe cedessem as casas deles e estes naturalmente recusaram, queixando-se ao Arcebispo e pondo uma demanda que foi julgada a favor deles pela Relação. Mas, logo a seguir, arrendaram o alto das casas a D. Luis Coutinho, que para lá levou mobílias e roupas. Sabendo disso, Sebastião de Matos de Noronha, mandou dois criados do Conde de Saldanha às ditas casas com ordens para pôr na rua as coisas de D. Luis Coutinho. Tomás Rodrigues e seus filhos foram então queixar-se ao Inquisidor Geral que os mandou ir ter com D. Jerónimo Coutinho, Presidente do Desembargo do Paço, que pôs o Inquisidor de Coimbra na ordem. Sebastião de Matos de Noronha terá então dito que se Tomás Rodrigues e seus filhos “lhe não quiseram dar as casas e as deram a outrem, que ele fará com que o recusante, pai, mãe e irmãos as lograssem pouco tempo, do que eles recusantes se queixaram a muitas pessoas que temiam lhes ordenasse as culpas pelas quais estão presos” (Pr. n.º 2536, fls. 51).

Tomás Rodrigues pensou que se conseguia defender, que na Inquisição haveria ainda uma réstia de justiça que levaria à sua absolvição. Contestou por negação, apresentou contraditas e coarctadas. Multiplicou os inimigos que o poderiam ter acusado, diz que seu irmão Duarte é inimigo dele e chega atá a considerar  a filha sua inimiga, certamente com medo de que ela o tivesse denunciado. Adivinhou que o médico Francisco de Almeida era um dos denunciantes, mas nunca suspeitou de sua prima e dos filhos desta (No processo diz-se que estes são sobrinhos dele, um lapso que é corrente na época da Inquisição, chamar sobrinhos aos filhos de primos). No Assento da Mesa de 4-1-1624, que recomendou a sua condenação  a ser relaxado à Justiça secular, diz-se “e não provar coisa de consideração em suas contraditas”, deitando por terra todos os esforços que ele tinha feito para se defender. O Assento do Conselho Geral de 23-2-1624 confirmou o veredicto. Foi dele notificado nos termos do n.º LX do Tit. IV do Regimento de 1613 em 20 de Abril e foi morto no auto da fé de 5 de Maio de 1624.

Conta de custas: 5$696 réis.

Entretanto, em 7 de Outubro de 1622, tinham sido expedidos quatro mandados de prisão contra sua esposa  e seus três filhos sacerdotes.

Em relação a sua filha, cumpre anotar que o P.e João de Oliveira levanta também uma suspeição contra o Inquisidor Simão Barreto (Pr. n.º 2536, fls. 52). Diz ele que este pediu a duas freiras professas do Mosteiro de Celas que “dessem em Maria de Oliveira, freira no mesmo mosteiro, irmã dele recusante, como em efeito fizeram, vencidas do  medo e apertos que o dito recusado lhes fazia” e “Que as ditas duas religiosas depois de saírem no acto da fé, estando nas escolas gerais, disseram e confessaram publicamente que falsamente tinham dado e acusado a dita Maria de Oliveira irmã dele recusante e que o fizeram enganadas por serem muito tolas e de pouco juízo, de sorte que no dito mosteiro, as outras religiosas as estimavam em pouco”.

 

VIOLANTE DE OLIVEIRA – Pr. n.º 6081

 

Foi presa logo em 7-10-1622. Nascera em Lisboa por volta de 1569 e vivera em Coimbra com seu marido uns 20 anos.

No processo, surgem as transcrições das culpas contra ela:

Depoimento de 19-6-1622, de Maria dos Anjos, filha de Luisa Lopes, prima direita de seu marido – Pr. n.º 4283, de Coimbra

Dep. de 23-9-1622, de Joana Baptista, irmã da anterior – não aparece o processo de Coimbra –

Com estes dois testemunhos, o Promotor propôs a prisão imediata, mas a Mesa foi de opinião que se aguardasse mais prova e informações de Coimbra, nomeadamente da prisão da ré, até ser solta com o perdão geral de 1605. O Promotor apelou desta decisão para o Conselho, arguindo entre outros argumentos, o seguinte: “E a  razão é porque tendo a Ré duas testemunhas de judaísmo e declaração em forma, parentas de seu marido e filhos, deve de se haver sem dúvida por prova bastante;  e maxime tendo a Ré preso seu marido nesta Inquisição e uma filha freira na de Coimbra, e decretados mais dois filhos, e vivendo a Ré muitos anos em Coimbra terra tão inficionada de judaísmo.

Nem a razão em que se fundam os votos negativos multum urget, porque isso mesmo havia acontecido ao marido da Ré, Tomás Rodrigues, visto ter sido preso em Coimbra e sair pelo perdão geral, et hoc não obstante, com uma só testemunha foi mandado prender. E o temor de fuga que houve a seu respeito, o pode haver in proposito, por a Ré ter dois filhos ausentes, para onde se pode ir.” O Assento do Conselho Geral de 6-10-1622 (fls. 10) decretou a prisão.

 

Prossegue a transcrição das culpas:

Dep. de  4-2-1623, de Filipe Rodrigues, filho de Luísa Lopes – Pr. n.º 1160, de Coimbra

Os depoimentos seguintes foram feitos já depois da morte da ré no cárcere. Serviram depois para a condenar em estátua.

Dep. de 25-10-1623, de Simão Rodrigues, filho de Luísa Lopes – Pr. n.º 1021, de Coimbra

Dep. de 4-12-1623, de Francisco Rodrigues, irmão do anterior – Pr. n.º 12913, de Lisboa

Dep. de 15-7-1626 de Francisca de Oliveira, irmã inteira da Ré – Pr. n.º 4638, de Coimbra – casada com Heitor Nunes de Brito (Pr. n.º 1146, de Coimbra), pais de Grácia de Brito  (Pr. n.º 7668, de Coimbra)

Dep. de 16-2-1623, de Diogo Bravo, filho de Luisa Lopes – Pr. n.º 9988, de Coimbra –

Dep. de 3.8.1626, de Heitor Nunes de Brito, cunhado da ré – Pr. n.º 1146, de Coimbra.

fls. 28 .- 16-12-1622 – GENEALOGIA

É filha de Henrique de Oliveira, rendeiro e de Beatriz da Costa, de Lamego. Tem 53 anos. Não conheceu os seus avós, nem paternos nem maternos e não lhes sabe os nomes.

Por parte de seu pai, tem uma tia, chamada Leonor Garcia, que foi casada com Diogo Rodrigues, que vendia trigo no Terreiro e também era calceteiro, de quem teve um filho de que não sabe o nome e estão todos falecidos.

Por parte de sua mãe, teve um tio chamado Francisco Saraiva, mercador, que vivia em Alenquer e teve um filho do mesmo nome e já faleceram ambos.

Ela tem três irmãos inteiros e dois meios irmãos, a saber:

- António de Oliveira, de 50 anos, clérigo de Missa, foi Mestre da Capela da Igreja de S. Gião

- Graça de Oliveira, casada em Coimbra com Simão Dias, cristão velho, mercador de sedas, e dele teve um filho chamado Lázaro, de 14 anos

- Francisca de Oliveira, que casou em Buarcos com Heitor Nunes Perdigão, mas agora vivem em Lisboa e têm dois filhos, Grácia de Oliveira, que será de 12 anos, e António, de 10.

Meios irmãos:

- Fernão de Oliveira, era clérigo de Missa e há sete ou oito anos que anda na Índia.

- Filipe Dias, guadalmecileiro, casado com Joana Henriques, cristã velha, de que tem dois filhos pequenos de que não sabe os nomes.

Em 13-3-1623, foi chamada para completar a sua Genealogia (fls. 30 v), já que não tinha referido os seus filhos. Teve dez filhos, estando vivos seis.

fls. 32 – Auto do falecimento da Ré em 24 de Outubro de 1623. Foi feito um inquérito e apurou-se que teve morte natural, falando um médico de apoplexia, outro notando o pulso muito irregular da doente.

O processo prosseguiu contra a honra, fama e fazenda da falecida. Foram afixados editais e citados os parentes, entre os quais, a filha Maria de Oliveira (fls. 47 v),  a irmã Francisca de Oliveira (fls. 48), a sobrinha Grácia de Brito (fls. 48 v), o cunhado Heitor Nunes (fls. 49).

A fls. 56, esta declaração do filho Simão de Oliveira, datada de 28-1-1627: “Simão de Oliveira diz que não quer defender a fama e a honra de Violante de Oliveira, António de Oliveira e João de Oliveira, sua mãe e irmãos, pois não queria ser parte nisso, pois seu pai o não era; e de como assim o diz, assinou aqui comigo.”

fls. 64 – 8-3-1627 – Assento da Mesa – Relaxada em estátua

fls. 65 – 10-3-1627 – Assento do Conselho Geral – Idem

fls. 67 – Sentença – Foi publicada no auto de fé de 14 de Março de 1627.

fls. 69 – Custas – 2$869 réis

  

P.e ANTÓNIO DE OLIVEIRA – Pr. n.º 750

 

Foi também preso a 7-10-1622.

Depois do inventário (fls.7), onde descreve os benefícios eclesiásticos que tem, surge no processo a transcrição das culpas de judaísmo contra ele:

- Depoimento de 19-5-1622, Maria dos Anjos, filha de Luísa Lopes, prima direita de seu pai – Pr. n.º 4283, de Coimbra

- Dep. de 20-9-1622, de Luísa Lopes, prima direita de seu pai – Pr. n.º 2117, de Coimbra

- Dep. de 23-9-1622, de Joana Baptista, filha da anterior – não aparece o processo da Inquisição de Coimbra.

A fls. 16 e 17, a decisão que conduziu ao mandado de prisão com sequestro de bens: a proposta do Promotor, o visto da Mesa e o Assento do Conselho, datados de 5 de Outubro de 1622.

Prossegue a transcrição das culpas:

- Dep. de 15-4-1613, do P.e Diogo Pires Cinza, cristão velho, Cura de S.ta Cruz do Castelo – Disse que, uns meses antes, o P.e António de Oliveira “dissera que jurava a Deus que quem tinha alma neste tempo era um doido, e que não havia mais que nascer e morrer”.

- Dep. de 16-12-1621, de Manuel de Rodas de Almeida, Notário Apostólico – Fez um longo depoimento. Que na Quaresma de 1620, conversando com o P.e António de Oliveira falavam das notícias de Coimbra, segundo as quais tinham saído reconciliados num auto da fé recente (19 de Março de 1620), os Cónegos da Sé de Coimbra Crispim da Costa (Pr. n.º 5688) e António Dias da Cunha (Pr. n.º 3901). E que o P.e A. de Oliveira dissera que tinham sido “cães perros em confessarem logo (…), que melhor fora deterem-se na Inquisição até vir um perdão (…); porque, como confessam, dão uns nos outros porque não sabem o estilo da Inquisição, porque, se o souberam, esperavam pelo libelo porque, quando a prova não fora concludente, lhe haviam de dar tractos, e então pedia a Deus paciência para os sofrer, e que assim não perderiam suas conezias, nem dariam em outros.  E que Marçal Nunes (Pr. n.º 3511, de Lisboa), preso nestes cárceres não havia de confessar porque sabia o estilo da Inquisição, se não quando fosse convencido por tractos, que não pudesse sofrer”.
Disse mais que ouvira dizer ao Padre que o seu irmão Francisco Cardoso fugira para Nápoles com receio de ser preso e que ele fizera bem em partir para o estrangeiro.

Termina dizendo que considera o P.e António de Oliveira como suspeito na fé e por isso o veio denunciar.

- Dep. de 7-1-1623, de Miguel de Sousa Santiago (Pr. n.º 3512, de Lisboa), casado com Joana de Vitória (Pr. n.º 11541) – Estava na cela com o P.e Fulano de Oliveira (diz ele ) e com outro preso com a alcunha de “Minho” (Gaspar Dias Paredes – Pr. n.º 919, de Lisboa) e, quando fingia dormir, ouviu este dizer ao primeiro que estava preso por o ter acusado um seu filho bastardo que lhe ensinara as práticas judaicas, como lavar a carne quando vem do talho, e a não comer carne de porco e o P.e Oliveira dissera: “Mal o haja meu pai, que é um cruel tirano, que, sabendo que isto era, e havendo saído daqui uma vez por milagre, se não foi a caminho de Itália com o seu dinheiro, onde está um tio meu, que é lá também judeu e se pôs a fazer casa na Rua Formosa”. Daí a pouco ouviu ao P.e Oliveira: “Estas nossas hortas, parece que se tornam calabaçotes. Praza a Deus não vamos buscar lã e venhamos tosquiados”. E o Minho respondeu: “Por mal ou por bem, nós as cultivaremos”, mas não sabe o que eles queriam dizer com isso. Disse também que o P.e Oliveira rezava os Salmos de David, sem Gloria Patri no fim.

- Dep. de 29-1-1623, do mesmo- Disse que, quando estivera no mesmo cárcere com o P.e Oliveira e noutro com Henrique Pais (Pr. n.º 10099, de Lisboa), ambos, quando acabavam as orações, olhavam para o céu e lavavam a boca três vezes, lançando a água de cada vez. >O Padre fazia isso sem falta duas vezes ao dia. Dizendo-lhe ele declarante que naquilo ele era Padre judeu e que devia vir confessar-se a esta Mesa, respondeu ele que fosse com todos os Diabos e que maldito fosse com a maldição de Deus todo poderoso, e que o dito Henrique Pais fazia a cerimónia menos vezes e com mais cautela.  Pareceu-lhe então que as ditas pessoas eram judeus, pois ele mesmo usava daquela cerimónia quando era judeu e estava na Flandres.

- Dep. de 11-9-1623, de P.e Pero Coelho – (já o réu tinha falecido) – Disse que o P.e Oliveira tinha o costume de lavar a boca na sacristia no fim da missa com a água das galhetas e depois a deitava fora, o que ele pensa ser costume dos judeus.

- Dep. de 25-10-1623, de Simão Rodrigues, filho da prima de seu pai, Luísa Lopes- Pr. n.º 1021, de Coimbra

- Dep. de 16-2-1623, de Diogo Bravo, irmão do anterior – Pr. n.º 9988, de Coimbra

- Dep. de 27-4-1624 de Marçal Nunes, Advogado – Pr. n.º 3511, de Lisboa

- Dep. de 14-2-1623, de Filipe Rodrigues, filho da prima de seu pai, Luísa Lopes – Pr. n.º 1160, de Coimbra

- Dep. de 4-12-1623, de Francisco Rodrigues, irmão do anterior – Pr. n.º 12913, de Lisboa

- Dep. de 16-11-1623, do Cónego Fernão Dias da Silva, de Coimbra – Não aparece o processo

- Dep. de 10-1-1625, de António de Oliveira, de Coimbra – Pr. n.º 9435A, de Coimbra

A fls. 50 v, uma nota dizendo que existem também os testemunhos do irmão P.e Simão de Oliveira, que confessando escapou ao cadafalso; mas não se transcrevem porque a prova existente é mais que suficiente para condenar António de Oliveira na sua fama, honra e fazenda.

Na sessão in genere, de 13-10-1622 (fls. 53 v), negou que alguma vez se tivesse afastado da religião católica.

A fls. 56, o auto do falecimento do réu em 19 de Fevereiro de 1623. No inquérito à morte dele, foram ouvidos o alcaide, os guardas dos cárceres, os médicos e os companheiros do preso, Miguel Henriques (Pr. n.º 11997), de Aldeia do Alcaide e Gaspar Dias Paredes (Pr. n.º 919), de Guimarães, e concluiu-se que ele não foi morto nem se suicidou, terá morrido mesmo de doença. Nos últimos oito dias ficou doido furioso e estava preso com ferros nas mãos e nos pés; não queria comer, mas é pouco tempo para morrer de fome. Sofria de asma e faltava-lhe a respiração. O médico Diogo Rodrigues disse em 1625 que ele teria morrido de uma apoplexia.

No final de 1625, prosseguiu o processo contra a fama, honra e fazenda do réu falecido, sendo citadas a irmã Maria de Oliveira, a tia Francisca de Oliveira, a prima Grácia de Brito, o pai desta, Heitor Nunes, tio afim. A citação do irmão, P.e Simão de Oliveira, figura no processo da mãe, Violante de Oliveira. Ninguém veio ao processo.

fls. 99– 9-3-1627 – Assento da Mesa – Relaxado em estátua

fls. 100 – 10-3-1627 – Assento do Conselho Geral – Idem

fls. 101 – Sentença – Foi publicada no auto de fé de 14 de Março de 1627.

fls. 104 – Custas – 3$712 réis

 

P.e JOÃO DE OLIVEIRA – Pr. n.º 2536

 

Foi preso no mesmo dia do mandado, a 7 de Outubro de 1622

No início do processo, estão cartas aparentemente recebidas pelo réu, que foram encontradas pelo pessoal do Fisco na roupa dele. São difíceis de interpretar e parecem não ter interesse.

A fls. 22, o inventário em 12-10-1622. Tem umas moradas de casas na Rua Formosa arrendadas a Domingos Carvalho, que paga dos altos doze mil réis e da loja e sobreloja, dois mil e quinhentos. Tem um benefício eclesiástico em S. Nicolau.

A fls.24, uma declaração escrita pelo réu apontando contraditas e também suspeições sobretudo em relação aos Inquisidores de Coimbra, especialmente Simão Barreto. Sempre na ilusão de que seria possível defender-se naquele “tribunal”.

Transcrição das culpas contra o réu:

- Depoimento de 19-5-1622, de Maria dos Anjos, filha da prima de seu pai, Luisa Lopes – Pr. n.º 4283, de Coimbra

A fls. 27, os documentos da decisão de prisão do réu. O promotor de justiça requereu a prisão do réu, com sequestro de bens, alegando “visto ser o réu de radice infecta, e ter seu pai preso, e contra ele haver tantas testemunhas (só havia uma!) e contra Violante de Oliveira, sua mãe e contra seus irmãos; e dilatando-se esta prisão, é certo haver-se de ausentar, como outrossim estão ausentes Francisco Cardoso e Diogo Rodrigues de Oliveira, seus irmãos.”

Em Assento de 5-12-1622, a Mesa recusou a prisão, por haver uma só testemunha e mandou aguardar mais prova. O promotor apelou para o Conselho Geral com esta prosa (fls. 28): “Deinde, porque o mesmo Tomás Rodrigues, seu pai, foi decretado e preso por dito de uma só testemunha, Francisco de Almeida, que não é parente, como se vê de seu processo.  Nec obstat o temor de fuga que se lhe ajuntou, porque muito maior se dá a respeito do Réu, que mais facilmente se pode ausentar, por não ter tanta fazenda e família que mover. E visto está que, prendendo-se seus irmãos e sua mãe, e tendo preso seu pai nesta Inquisição, e sua irmã na de Coimbra, logo se há-de ausentar, nem é verosímil que sendo de raiz tão infecta, e estando seus pais e irmãos tão carregados de culpas, o Réu degenere, e deixe de ser herege tal como eles.

Juvat maxime, que as razões em que se funda o assento pelo qual foi decretado o dito Tomás Rodrigues seu pai, citem que tinha uma filha presa em Coimbra, e um filho delato nesta Inquisição, e ser de Coimbra, terra inficionada, o que et principatu vigent a respeito do Réu que, além da irmã presa e do irmão delato, tem mais o pai preso e muitos irmãos não só delatos, mas decretados.

Ex quibus, pois foram bastantes para se decretar o pai, a fortiori o devem ser para o Réu ser decretado e preso. Nec novum est, ainda sem estas circunstâncias, prender por uma só testemunha como aconteceu muitas vezes, e há nestes cárceres alguns presos; maxime, sendo parenta a testemunha contra este Réu, e concorrerem as razões sobreditas.

O Assento do Conselho Geral de 6-10-1622 decretou a prisão.

Prossegue a transcrição das culpas:

- Depoimento de 14-2-1623, de Filipe Rodrigues, filho da prima de seu pai, Luisa Lopes – Pr. n.º 1160, de Coimbra

- Dep. de 16-2-1623, de Diogo Bravo, irmão do anterior – Pr. n.º 9988, de Coimbra

A fls. 34, uma declaração de Simão Nogueira, Secretário da Inquisição de Coimbra, rectifica o depoimento de Diogo Bravo: onde ele diz Mateus de Oliveira, queria dizer João de Oliveira. Ora Mateus da Silva ou Mateus de Oliveira era de facto um irmão deles que morreu aos 17 anos, conforme diz a mãe Violante (Pr. n.º 6081, fls. 31).

- Dep. de 27-4-1624, de Marçal Nunes, advogado – Pr. n.º 3511, de Lisboa

- Dep. de 2-5-1624, de Francisco Rodrigues, filho de Luisa Lopes, prima de seu pai – Pr. n.º 12913, de Lisboa (é uma apresentação)

- Dep. de 25-10-1623, de Simão Rodrigues, irmão do anterior – Pr. n.º 1021, de Coimbra

- Dep. de 3-8-1626, de Heitor Nunes de Brito, casado com sua tia Francisca de Oliveira – Pr. n.º 1146, de Coimbra –

O réu tinha já falecido em 23 de Setembro de 1625.

- Dep. de 3-3-1627, de seu irmão, Simão de Oliveira – Pr. n.º 6069, de Lisboa

Com o seu Procurador, deduziu muitos incidentes de suspeições, a que a Inquisição não deu sequência e que não estão datados:

- fls. 47 – contra os Deputados da Inquisição de Coimbra, Francisco Pinto Pereira, Manuel de Sousa de Menezes, Bento de Almeida, João Pimenta, André Vaz, Martim Afonso Mexia e Miguel Nunes de Abreu.

- fls. 50 – contra o Presidente do Tribunal da Inquisição, Sebastião de Matos de Noronha, como referi acima.

- fls. 52 – contra o Inquisidor Simão Barreto, como também referi acima.

A fls. 55, estão quatro páginas e meia de uma exposição do réu em letra miudinha, protestando a sua inocência.

- fls. 59 – Incidente de suspeição contra o Inquisidor Miguel de Castro, subscrita pelo Procurador João do Couto Barbosa (não foi possível identificar o Procurador que subscreveu as anteriores).  Sobre o pedido, despachou a Mesa em 23-10-1624, dizendo “Não procedem as suspeições do recusante, vista sua matéria”. O réu agravou deste despacho para o Conselho Geral, que despachou em 19-1-1625: “Não é agravado o agravante, portanto, vistos os autos, se lhe não dê provimento”.

fls. 62 – Incidente de suspeição contra o Deputado António Correia, de Lisboa

fls. 63 – Despacho recusando o pedido de suspeição: “Não procedem as suspeições atrás postas por João de Oliveira ao Deputado António Correia, vista sua matéria, e julgamos não lhe ser suspeito. Lisboa, neste S.to Ofício, 18 de Junho de 1625.”

fls. 64 – Incidente de suspeição contra o Inquisidor Manuel da Cunha, de Lisboa – Recusado com idêntico despacho da mesma data.

fls. 66 – Incidente de suspeição contra o Inquisidor Pedro da Silva de Sampaio – Recusado com despacho semelhante de 31 de Maio de 1625. O réu agravou do despacho para o Conselho Geral. Este disse: “Não é agravado o agravante, portanto não se lhe dá provimento. Lisboa, 9 de Junho de 1625.”

fls. 70 – Incidente de suspeição contra o Inquisidor Gaspar Pereira, não tem despacho

fls. 72 – Incidente de suspeição contra o Inquisidor João Álvares Brandão, não tem despacho

fls. 74 – Incidente de suspeição contra o Inquisidor Miguel de Castro – Tem despacho de não procedência de 17-6-1625.

fls. 80 – Exposição de 8 páginas subscrita pelo Procurador João do Couto Barbosa

fls. 84 – 21-7-1625 – O Inquisidor Manuel da Cunha mandou-o chamar à Mesa.  Falando das suspeições por ele levantadas contra ele próprio Manuel da Cunha, Pedro da Silva de Sampaio e D. Miguel de Castro, perguntou-lhe o que é que ele queria verdadeiramente para que a sua causa fosse julgada com justiça. Disse o réu que queria que lhe respondessem à sua última petição. Diz o texto que ele não respondia direito às perguntas do Inquisidor e que se negou a assinar a acta da sessão.

fls. 87 – 20-10-1622 – GENEALOGIA

fls. 89 – 17-11-1622 – Sessão in genere - Negou que tivesse crença judaica ou que tivesse feito algumas cerimónias típicas dos judeus.

fls. 92 – 7-9-1623 – Requerimento do réu

Pediu Mesa para requerer que sua irmã Maria de Oliveira fosse transferida para a Inquisição de Lisboa para aqui ser julgada. já que, na Inquisição de Coimbra, havia muitos Cónegos e beneficiados que tinham ódio a toda a sua família, em especial a Francisco Cardoso, pelas muitas demandas que tinham corrido naquela cidade. E fez também um protesto contra a intervenção que os mesmos Cónegos e beneficiados tiveram nos processos de seu pai, de sua mãe e no seu e de seus irmãos.

fls. 92 v – 1-8-1624 – Sessão in specie – Disse que os depoimentos das testemunhas eram todos falsos.

fls. 106 – 27-8-1624 – Depois de lhe ser lido o libelo, disse que queria defender-se, e estar com o Procurador. Este contestou por negação e veio com contraditas.

Para além das contraditas subscritas por seu Procurador, veio ainda com contraditas contra Heitor Nunes Perdigão, a fls. 152.

fls. 181 – 23-9-1625 – Auto do falecimento do P.e João de Oliveira

Faleceu nesta data no cárcere. Há muitos dias que estava doido furioso, rasgando roupas, sujando o chão comas suas necessidades, e por isso foi algemado e preso com grilhões e correntes. Recusou comer e quando o quiseram alimentar à força, provocava o vómito da comida. Começou a ficar débil e a enfraquecer e acabou por morrer. Os Inquisidores dizem no auto que o réu se fingia doido, mas é muito mais provável que estivesse mesmo doido.

fls. 182 – 1-3-1627 – É retomada a instrução do processo. É ouvido o Alcaide dos cárceres ao tempo do óbito, os guardas, e os médicos.  Estes alinham com os Inquisidores e dizem que o réu se fingia doido furioso.

Prosseguiu o processo para relaxar à justiça secular os ossos do falecido. Citada a família chegada começando pela irmã Maria de Oliveira e pelo irmão P.e Simão de Oliveira.  Ninguém quis intervir no processo.

fls. 216 v – 12-3-1627 – Assento da Mesa – Relaxado em estátua

fls. 218 – (ilegível)-3-1627 – Assento do Conselho Geral – Idem

fls. 220 – Sentença – Foi publicada no auto de fé de 14 de Março de 1627.

fls. 223 – Custas – oito mil seiscentos (ilegível) e cinco réis.

 

P.e SIMÃO DE OLIVEIRA – Processo n.º 6069

 

fls. 1 img. 5 – 7-10-1622 – Mandado de prisão

fls. 1 v img. 6 – 7-10-1622 – Auto de entrega

fls. 3 img. 9 – 16-12-1621 – Denúncia do Notário Apostólico Manuel de Rodas d’Almeida.

A testemunha frequentava a Igreja de S.ta Cruz do Castelo e conversava com o P.e Simão de Oliveira de vez em quando. Falando dos cristãos novos presos e condenados pelo S.to Ofício, disse-lhe o Padre que não tirasse ele dele e de seu irmão para os ir acusar. Aí ficou o Notário informado de que eram cristãos novos pois antes não tinha a certeza.  Perguntando o Notário por que é que Deus não poupava a vida aos condenados pela Inquisição, respondeu o Padre “Lá no além terão o seu prémio”. Que prémio? perguntou ele testemunha, mas não obteve resposta.

Falando ambos nos relaxados no recente auto da fé em Coimbra, disse o Padre que os relaxados tinham morrido com grande constância. Não percebeu o que ele queria dizer, mas pareceu-lhe que ele os louvava por morrerem como judeus.

E concluiu dizendo que acha que o Padre acredita na crença judaica. 

fls. 7 img. 17 – 19-5-1622 – Depoimento de Maria dos Anjos, filha de Luísa Lopes, prima direita de seu pai – Pr. n.º 4283, de Coimbra-

fls. 9 img. 21 – 20-9-1622 – Dep. de Luísa Lopes, prima direita de seu pai – Pr. n.º 2117, de Coimbra

fls. 10 v img. 24 – 23-9-1622 – Dep. de Joana Baptista, filha da anterior – não aparece o processo

fls. 13 img. 29 – Decreto de prisão – Requerimento do Promotor de prisão com sequestro de bens

fls. 13 v img. 30 – 5-10-1622-  Assento da Mesa concordando. Vai ao Conselho por ser sacerdote e beneficiado.

fls. 15 img. 33 – 6-10-1622 - Assento do Conselho decretando a prisão.

fls. 16 img. 35 – 16-2-1623 – Dep. de Filipe Rodrigues, filho da prima de seu pai Luísa Lopes – Pr n.º 1180, de Coimbra

fls. 17 img. 37 – 16-2-1623 – Dep. de Diogo Bravo, irmão do anterior – Pr. n.º 9988, de Coimbra

fls. 19 img. 41 – 26-5-1623 – Dep. de Luísa Lopes, prima direita de seu pai – Pr. n.º 2117, de Coimbra

fls. 19 v img. 42 – 25-10-1623 – Dep. de Simão Rodrigues, filho da anterior – Pr. n.º 1021, de Coimbra

fls. 22 img. 47 – 4-12-1623 – Dep. de Francisco Rodrigues, irmão do anterior – Pr. n.º 12913, de Lisboa

fls. 25 img. 53 – 27-4-1624 – Dep. de Marçal Nunes, advogado – Pr. n.º 3511, de Lisboa

fls. 29 img. 61 – 3-8-1626 – Dep. de Heitor Nunes de Brito – Pr. n.º 1146, de Coimbra

fls. 31 img. 65 – 16-7-1626 – Dep. de Grácia de Brito, filha do anterior – Pr. n.º 7668, de Coimbra

No processo, estão inseridas aqui as contraditas do réu, que perdem toda a relevância, a partir do momento que ele se fez confitente.

fls. 49 img. 101 – 17-10-1621 – Inventário

Disse ser proprietário das casas na Rua Formosa onde moram seus pais e irmãos.

fls. 50 img. 103 – 8-11-1622 – GENEALOGIA

fls. 52 img. 107 – 14-11-1622 – Sessão in genere

Respondeu negativamente a todas as questões.

fls. 53 v img. 110 – 14-3-1623 – Aditamento à sessão de genealogia, pois o réi não tinha declarado os seus irmãos.

fls. 55 img. 113 – 18-7-1624 – Sessão in specie

Diz que são falsas todas as denúncias contra ele.

fls. 62 img. 127 – 7-8-1624 – Admoestação antes do libelo. Libelo

Ouvido o libelo, disse o réu que tinha defesa com que vir e queria estar com Procurador. Foi nomeado o Licenciado João do Couto Barbosa, com quem se reuniu o réu.

fls. 73 img. 149 – Defesa. Contesta por negação. Indica testemunhas.

fls. 75 img. 153 – Audição das testemunhas de defesa

fls. 79 img. 161 – 3-10-1624 - Termo de admoestação antes da publicação da prova da justiça

fls. 80 img. 163 – Publicação da prova da justiça. Depois de ouvida a leitura, disse que tinha contraditas com que vir e queria estar com o Procurador. Foi-lhe dado o traslado da prova.

fls. 86 v img. 176 – 3-12-1624 – Estância com o Procurador.

fls. 87 img. 177 – Traslado devolvido à Mesa. Seguem-se as alegações de contraditas e coarctadas, subscritas pelo Procurador.

fls. 94 v img. 192 – 10-12-1624 – Nomeação de testemunhas às contraditas

fls. 96 v img. 196 – 8-1-1625 – Despacho indicando as contraditas aceites e as rejeitadas (por respeitarem a pessoas que não testemunharam contra o réu).

fls. 99 img. 201 – Audição das testemunhas

fls. 107 img. 217 – O Procurador e o réu subscrevem mais dois artigos de contraditas e a seguir o réu nomeia testemunhas a 21-6-1625.

fls. 108 img. 219 – Despacho de 23-6-1625: as contraditas não foram recebidas.

fls. 109 img. 221 – 12-3-1625 - Audição do réu. Basicamente  o Inquisidor D. Miguel de Castro admoesta-o para que confesse as suas culpas.

fls. 113 img. 229 – 19-8-1625 – Termo de admoestação antes da publicação

fls. 114 img. 231 – Prova da justiça – é o testemunho de Francisco Rodrigues.

Ouvida a leitura, o réu disse que era falso, mas não tinha contraditas com que vir e não queria estar com o Procurador. O Inquisidor o “houve por lançado das ditas contraditas” com que pudera vir.

fls. 115 v img. 234 – O processo é concluso para ir a Assento da Mesa.

fls. 116 img. 235 – 30-10-1625 – Assento da Mesa

Pareceu a todos os votos com excepção do Deputado Fr. António Tarrique, O.P., que o réu estava convicto no crime de heresia e devia ser relaxado. As contraditas e coarctadas não afectaram o crédito das testemunhas.  Sublinharam “ser o réu de radice infecta, filho de Tomás Rodrigues, relaxado e de Violante de Oliveira, morta nestes cárceres.” Ao Deputado referido “pareceu que a prova da justiça não era bastante para o réu ser havido por convicto, visto não terem as testemunhas chegado parentesco com ele, e não ser a prova de declaração de judaísmo em forma e parte da prova estar enervada pelas coarctadas do Réu”; por isso, achou que ele deveria ser submetido a tormento “e ter nele todo o que puder levar a juízo dos médicos e cirurgião e a arbítrio dos Inquisidores”.

fls. 118 img. 239 – 9-6-1626 – Assento do Conselho Geral

Que o réu seja entregue à Cúria secular.

fls. 119 img. 241 – Admoestação antes da publicação de mais prova que acresceu contra Simão de Oliveira.

fls. 120 img. 243 – Publicação do testemunho de Heitor Nunes de Brito, tio afim do réu. Ouvida a leitura, disse este que não lhe lembrava tal, que não era verdade, que queria formar contraditas e estar com o seu Procurador.

fls. 122 v img. 248 – Arguição de contraditas, indo buscar mais um elenco de inimigos, mas sem acertar no denunciante.

fls. 123 img. 249 – 23-2-1627 - Nomeação de testemunhas

fls. 124 img. 251 – 23-2-1627 - Despacho não recebendo as contraditas

fls. 125 img. 253 – 28-2-1627 – Notificação de estar sentenciado como relaxado (n.º LX do Tit. IV do Regimento de 1613)

O P.e Simão de Oliveira reflectiu na sua situação e concluiu que a única possibilidade de salvar a vida seria representar o papel que os Inquisidores queriam que desempenhasse: fazer uma séria de denúncias. Se tivesse sorte, acertaria em todos ou quase todos os que o tinham denunciado e isso permitir-lhe-ia sair vivo daquele antro. Por outro lado, poderia à vontade, ou quase, denunciar os membros da sua família que tinham já morrido na Inquisição, pai, mãe, e os dois irmãos.

fls. 126 img. 255 – 3-3-1627 - Confissão

Denunciou:

- Com seu pai, sua mãe, seus irmãos António, Maria – culpa em Coimbra, há 27 ou 28 anos

Publicado o perdão geral de 1605, continuou ele confitente na crença da lei de Moisés, apontando para essa data outra culpa, com os mesmos. Outras culpas:

- os irmãos João de Oliveira, Francisco Cardoso, Diogo Rodrigues e Mateus que faleceu de 15 anos, quando chegaram à idade do entendimento foram doutrinados por ele, seus irmãos mais velhos e seus pais na Lei de Moisés, Francisco, dois ou três anos depois do perdão geral, João, quatro anos depois, Diogo, cinco anos e Mateus sete anos depois.

Outras culpas:

- Com seu tio, António de Oliveira, seu pai e sua mãe, em Lisboa, há 18 ou 19 anos.

- Pouco depois, os mesmos com seus irmãos António, Francisco, João e Diogo.

- Em casa de seu Tio António de Oliveira, com sua tia, Francisca de Oliveira, há 18 ou 19 anos.

- Depois disso, veio sua tia Francisca de Oliveira a sua casa e com seus pais e seus irmão, António, Francisco, João e Diogo.

- Em Buarcos, há 14 ou 15 anos, quando Heitor Nunes Perdigão veio a Lisboa para casar com sua tia Francisca de Oliveira e ele e seu tio António os acompanharam àquela vila.

- Há sete anos, quando Heitor Nunes e sua tia Francisca vieram morar para Lisboa, em casa deles.

- Há 10 ou 12 anos, em casa de uma Violante de Oliveira (Pr. n.º 4291, de Lisboa – é a 1.ª culpa do processo), prima de sua mãe, com esta e com a mãe dela chamada Leonor Garcia.

- Há 15 anos, numa rua em Lisboa, com seu tio materno Filipe Dias (Pr. n.º 11050, de Lisboa – é a 1.ª culpa no processo)

- Há doze anos, pouco mais ou menos, foi com seu pai a casa do irmão deste, seu tio, Duarte Rodrigues, com os filhos deste, Diogo e Pascoal.

- Há catorze ou quinze anos, foi ele a casa de seu referido tio Duarte Rodrigues, onde estava a esposa de nome Luísa Querida.

fls. 132 v img. 268 – 4-3-1627. Confessa mais.

- Há 18 ou 19 anos, em Lisboa, em casa de seu pai, com ele, com sua mãe d com seu tio Jorge Rodrigues.

- Há 10 ou 12 anos, vieram a casa de seu pai, seus tios,meios irmãos de sua mãe, Fernão de Oliveira e Tomás Saraiva (é engano, o tio chamava-se Filipe Dias e já o tinha denunciado antes).

- Quando foi a Buarcos com seu tio António de Oliveira, acompanhar Heitor Nunes e sua tia Francisca, foram jantar na cidade de Leiria a casa de Henrique da Cunha (Pr. n.º 10662 – Já tinha falecido em 1-12-1622, mas o processo prosseguiu e foi queimado em estátua em 2-4-1634).

- Há 18 ou 19 anos, na cidade de Coimbra, foi ele a casa de Isabel Carlos (aliás D. Isabel Carlos, anotou o Inquisidor à margem) e estava presente o filho dela, Francisco de Aguiar (Pr. n.º 9456, de Coimbra).

- Há 19 ou 20 anos, pouco depois do perdão geral, indo ele confitente a casa de Simão Leal para dar um recado de sua mãe Violante de Oliveira para a esposa dele, da qual não lembra o nome (o Inquisidor escreveu “Maria de Morais” – Pr. n.º 1877, de Coimbra), estando só com ela.

- Há 7 ou 8 anos, mais ou menos, em Lisboa, foi a casa do pai dele confitente, Gaspar Ferreira, do Porto, filho do Licenciado Jerónimo Ferreira, estando com seu pai e sua mãe e ele confitente.

- Há 20 anos mais ou menos, depois do perdão geral, em Coimbra, foi a casa de Marçal Nunes (Pr. n.º 3511, de Lisboa), que nunca casou. O dito Marçal Nunes ia muitas vezes jantar a casa de seu pai e com ele, sua mãe, seus irmãos António e João, se declaravam… Na altura, veio de Roma o irmão de Marçal Nunes, o Cónego Fernão Dias da Silva (não aparece o processo de Coimbra)  e foram ambos a casa de seus pais, e com seu pai, e seus irmãos António e João se declararam…

- Há dezanove anos mais ou menos,  em Coimbra, estava ele nas classes de Latim com Manuel Gomes, filho de Pero Gomes, já então falecido, e foi a casa deste onde estavam dois estudantes de que não sabe os nomes, e estando todos…

- Há 9 ou 10 anos mais ou menos, em Lisboa, foram a casa dele confitente, Miguel Soares, que tinha vindo há pouco de Roma; vinha na companhia de Rui Fernandes de Castanheda (Pr. n.º 7589, relaxado em 5-5-1624).

- Há 20 anos, pouco mais ou menos, logo depois do perdão geral, em Coimbra, se encontrou ele no pátio dos estudos de Latim com Simão Duarte que supõe ser seu parente.

- Há 19 anos, em Coimbra, foi ele a casa de Francisco de Almeida, onde estava um irmão deste, Miguel de Almeida e estando todos três…

- Há 18 ou 19 anos, em Coimbra, foi ele confitente levar três feitos ao Licenciado António Dias de Almeida, Advogado (Pr. n.º 9108, de Coimbra)  e estando ambos…

 

fls. 140 v img. 284 – 5-3-1627 - Confessa mais

- Há 20 anos em Coimbra, foi a casa de Luísa Lopes, prima direita de seu pai, onde estavam as filhas daquela, Maria e Joana Baptista e um filho de nome Francisco Rodrigues; apareceu depois Isabel Lopes, irmã daqueles e ainda dois irmãos, lembrando-se apenas do nome de um que era Manuel.

- Há sete ou oito anos, em Lisboa, encontrou numa rua da Cidade o seu segundo primo Francisco Rodrigues, que já referiu, o qual foi depois ter a casa de seu pai e estando todos juntos, com sua mãe e seus dois irmãos António e João… Depois disso, foi ainda duas vezes a casa de Luísa Lopes e esteve com ela e com seus filhos.

- Há sete anos, vieram a Lisboa seus segundos primos Diogo Bravo e Simão Rodrigues, filhos de Luísa Lopes, e estiveram alguns dias em casa dele confitente, e estando com seu pai, sua mãe e seus dois irmãos António e João…

- Há 19 ou 20 anos, logo a seguir ao perdão geral, em Coimbra, foi ele a casa de José Coutinho, escrivão dos órfãos (Pr. n.º 6931, de Coimbra), e se declararam ambos…

- Há 12 ou 13 anos, se encontrou numa rua de Lisboa com António Correia de Sá (Pr. n.º 5821, de Coimbra), e entre práticas…

- Há 12 ou 13 anos, veio a Lisboa Francisco Gomes, natural e morador em Coimbra e, entre práticas…

- Há 12 ou 13 anos, veio a Lisboa Simão Duarte por ele já referido e veio a casa de seu pai, e estando este, sua mãe, seus irmãos António e João, entre práticas…

A fls. 144 v o processo prossegue com a sessão da crença (n.º. XIV, 2.ª parte, Tit. IV do Regimento)

fls. 148 img. 299 – 5-3-1627 – Assento da Mesa

Pareceu a todos os votos que o réu podia ser reconciliado “visto dizer de si bastantemente, e assentar bem na crença de seus erros, dizendo das pessoas mais conjuntas com que estava delato e de muitas outras assim parentes como estranhos com quem não estava, pelo que pareceu se lhe relevasse não dizer de Filipe Rodrigue, sua testemunha que, posto que parente seu, não é pessoa de consideração antes pobre, para se poder presumir que o encobre por algum respeito, antes é mais verosímil que lhe esqueça; e outrossim não dizer também de Grácia de Brito sua prima cujo testemunho lhe não foi publicado, por vir depois de estar o réu notificado, e quem diz do pai e da mãe de Grácia de Brito, parece não deixava de dizer dela se lhe lembrava, e que tivesse cárcere e hábito penitencial perpétuo (…) e que seja privado do exercício das ordens para sempre…”

fls. 149 img. 301 – 6-3-1627 – Assento do Conselho Geral

“… e assentou-se que, antes de outro despacho, seja o réu acusado por suas diminuições, e se faça publicação ao réu da última testemunha, e depois disso os Inquisidores tornem a ver este processo em Mesa, com o Ordinário e Deputados. E com o efeito que se tomar, torne ao Conselho”

fls. 151 img. 305 – 6-3-1627 – Interrogatório

O Inquisidor Diogo Osório de Castro chamou-o à Mesa, interrogando-o sobre as “pessoas com quem comunicou a sua crença”, mas ele respondeu que não se lembrava de mais ninguém.

fls. 152 img. 307 – 7-3-1627 – Admoestação antes do libelo. Libelo – acusação por ser diminuto nas suas confissões. Ouvida a leitura, declarou o réu que não tinha defesa com que vir e que não queria estar com o Procurador.

fls. 155 img. 311 – Admoestação antes da publicação demais prova da justiça

fls. 156 img. 313 – Publicação de mais prova da justiça – Testemunho de Grácia de Brito, sua prima. Ouvida a leitura, disse que não tinha contraditas com que vir e o Inquisidor o “houve por lançado delas.”

fls. 158 img. 317 – 8-3-1627 – Assento da Mesa

“… depois de ser acusado por suas diminuições e de se lhe fazer publicação do testemunho de Grácia de Brito, em cumprimento do Assento do Conselho, pareceu a todos os votos excepto o do Deputado Diogo de Brito, que se cumprisse o Assento da Mesa (…)  e ao Deputado Diogo de Brito pareceu que, visto assentar o Conselho o réu fosse acusado, era de parecer que antes de outro despacho, posse o Réu posto a tormento e nele atado perfeitamente a arbítrio dos Inquisidores e juízo do Médico e Cirurgião, e que com o que dele resultasse, se tornasse este processo a ver em Mesa para se despachar a final…”

fls. 159 img. 319 – 8-3-1627 – Assento do Conselho Geral

“… e assentou-se que antes de outro despacho, o réu será posto a tormento e nele será atado perfeitamente e, começado a denotar satisfeito, os Inquisidores tornem a ver este processo em Mesa, com o Ordinário e Deputados e o despachem em final sem tornar ao Conselho.”

fls. 161 img. 323 – 9-3-1627 – Mais confissão

Há 9 ou 10 anos, em Lisboa, foi a casa de Jerónimo Rodrigues, que é já defunto. E subindo ao sobrado de cima, encontrou cinco ou seis mulheres com quem começou a conversar. E falou de cerimónias judaicas com Isabel de Sousa (Pr. n.º 2533), casada com Gaspar de Sousa  (Pr. n.º 8485). E entrou  na conversa também Guiomar de Sousa (Pr. n.º 10097) e também Ana de Sousa e mais duas mulheres. Voltou lá várias vezes e encontrou as mesmas mulheres com quem teve as mesmas conversas. E uma das vezes, estava também presente Gaspar de Sousa.

fls. 164 img. 329 – 9-3-1627 – Assento da Mesa

Vistos (…) estes autos, culpas e confissões de Simão de Oliveira pelos conteúdos e o que mais confessou, antes de se executar o Assento do Conselho por que foi mandado pôr a tormento, pareceu aos Inquisidores Pedro da Silva de Sampaio, e Manuel da Cunha e ao Ordinário e Deputado Mateus Peixoto e dos Deputados António Tarrique, António Correia, D. João Pereira, que o Assento estava alterado e que o Réu devia ser recebido na forma declarada no da Mesa de 5 do corrente, e ao Inquisidor Diogo Osório de Castro, D. Bernardo de Ataíde, Gaspar do Rego da Fonseca, pareceu que o Assento do Conselho não estava alterado, visto estarem em pé as diminuições por que o réu foi mandado pôr a tormento, e aos Deputados António Freire e Manuel de Brito pareceu que alguma coisa se alterara o (ilegível) Assento  e assim fosse o Réu atado com a primeira correia”.

fls. 165 img. 331 –10-3-1627 – Assento do Conselho Geral

“Vistos (…) estes autos, culpas e confissões de Simão de Oliveira neles contidos e o que mais confessou, antes de se executar o Assento deste Conselho de dez de Março do presente ano, e assentou-se que se cumprisse o Assento do Conselho de 8 de Março próximo passado.”  

fls. 166 img. 333 – 11-3-1627 - .

Nesta data, o médico Diogo Rodrigues foi visitar o réu e achou-o com febre e a língua seca e com dores de barriga desde domingo anterior (dia 7). Por mandado de outro médico, come galinha e aplicaram-se-lhe outras mezinhas.

No mesmo dia, o mesmo médico foi chamado aos Inquisidores que lhe perguntaram se podia ser posto a tormento e até onde se poderia chegar. Disse que, sem risco de vida, o réu apenas podia ser atado com uma volta da primeira correia.

fls. 167 img. 335 – 11-3-1627 – Assento da Mesa

Pareceu a todos os votos que o réu deveria ser recebido e reconciliado sem ser posto a tormento, parecendo ser desumano fazê-lo a um homem com febre e doente.

fls. 168 img. 337 – 12-3-1627 – Assento do Conselho Geral

Foram vistos estes autos na mesa do Conselho Geral e a certidão e depoimento do médico Diogo Rodrigues, e assentou-se que  o réu Simão de Oliveira será posto a tormento e nele será começado a atar com a primeira correia e satisfeito, os Inquisidores tornem a ver este processo em Mesa, com o Ordinário e Deputados e o despachem em final sem tornar ao Conselho”.

fls. 169 img. 339 – 12-3-1627 – Termo de Admoestação que se fez a este réu Simão de Oliveira antes de se lhe publicar a sentença do tormento.

fls. 170 img. 341- Sentença do tormento

fls. 170 v img. 342 – No tormento

“…assentado no banquinho pelos Senhores Inquisidores (…) foi começado a atar e, tendo-se-lhe dado uma volta, foi admoestado com caridade quisesse confessar suas culpas. Disse que não tinha que confessar mais do que tem dito e que, se lhe lembrara, o dissera logo, e por se ter satisfeito ao Assento do Conselho, pelo Sr. Inquisidor foi mandado desatar e ser levado a seu cárcere, de que fiz este termo que assinou o dito Senhor Inquisidor e eu pelo Réu, por não poder escrever.”

fls. 172 img. 345 – 12-3-1627 – Assento da Mesa

Foram vistos na Mesa do S.to Ofício (…) estes autos, culpas e confissões do P.e Simão de Oliveira neles contido, depois de se executar o último Assento do Conselho Geral por que foi mandado pôr a tormento, e começado a atar e pareceu a todos os votos que o réu fosse recebido (…) na forma declarada no Assento da Mesa de 5 do presente mês de Março…”

fls. 173 img. 347 – Sentença

fls. 176 v img. 354 – Publicação. Foi publicada a Sentença no auto de fé que se fez na Ribeira da cidade de Lisboa em 14 de Março de 1627. No mesmo auto, foram relaxados em estátua, a mãe e os dois irmãos do réu, falecidos no cárcere.

fls. 177 img. 355 – Abjuração em forma

fls. 179 img. 359 – 15-3-1627 – Termo do segredo

fls. 180 img. 351 – Conta de custas: 4$858 réis

fls. 180 v img. 362 – 30-3-1627 – Termo de soltura

fls. 181 img. 363 – 24-3-1627 – Foi ouvido em confissão

 

De notar neste último processo, a divergência de posições entre a Mesa da Inquisição e o Conselho Geral. A deste último é bastante mais dura, quase parece que ainda quereriam relaxar mais este dos irmãos. A Mesa teria tido em conta que já tinham morrido na Inquisição quatro membros da família, já chegava de violência. E o P.e Simão de Oliveira certamente que não conhecia as duas pessoas que não denunciou, o Filipe Rodrigues e a Grácia de Brito. Esta última tinha apenas 15 anos quando ele foi preso. E a família da prima de seu pai, Luis Lopes e filhos, deveria também ser-lhe totalmente desconhecida.

Parece-me que os procedimentos dos Inquisidores em relação aos réus tem de ser explicado pela psicologia do poder, segundo a qual "power corrupts, absolute power corrupts absolutely". Quando maior o poder, maior a maldade de quem o exerce.