4-11-2012

 

 

 

A Família Mogadouro na Inquisição (1672 - 1684)

 

 

Na História dos Cristãos Novos Portugueses, o João Lúcio de Azevedo conta também de modo sucinto mas incisivo, a tragédia da família Mogadouro:

Com António Rodrigues Mogadouro tinham sido presos três filhos seus e três filhas. Destas morreram duas no decurso da protraída detenção, e ambas foram queimadas em estátua, como o pai. A terceira, Brites Henriques, que entrara aos dezasseis anos no Santo Oficio, e fizera largas confissões, ainda dezassete dias antes do auto foi atormentada no potro, por lhe quererem os juízes extorquir mais declarações, o que não conseguiram, porquanto a infeliz já tudo teria dito, e porventura mais do que a realidade. Do processo constam as orações, que tinha por habito recitar, nas quais, se acaso as não inventou para dar aparência de verdade a confissões simuladas, muito parece destingir a mente católica peninsular, sobre este especial judaísmo. O irmão, Pantaleão Rodrigues Mogadouro, encarcerado aos dezoito anos, defendera-se primeiro por negação. Passado tempo, inflamado do espirito de martírio, declara-se ousadamente adepto da lei de Moisés, na qual pretende viver ou morrer; do mesmo credo, segundo diz, é seu pai e são todos da sua família; os astrólogos de Holanda averiguaram a existência de terras encobertas, onde os hebreus se achavam á espera do Messias. Com tais declarações desafia a raiva dos Inquisidores. Mais tarde cai em si e retracta-se; rejeita seus erros, e diz-se regressado á fé de que o impregnara o baptismo.

Sete anos depois disso esperou pelo dia trágico do auto, para saber que lhe seria continuada a reclusão, em um mosteiro, até dele se amercearem os Inquisidores, e a pena igual ouviu condenar a irmã. Assim nos apertados palmos quadrados de um cárcere, para estes dois entes infloresceu a adolescência e desabrochou a juventude. Os irmãos, um, o mais velho, Diogo, já de 47 anos, pereceu no auto de 1683, parece que queimado em vida, por se ter calado, quando na Relação, onde foi conduzido para ouvir a sentença de morte, lhe perguntaram, segundo a fórmula, se queria morrer na lei de Cristo. O outro, de nome Francisco, com quem os Inquisidores se mostraram mais piedosos, tivera a sentença de cárcere e hábito perpétuo, que, como sabemos, depois se remitia. De tantos dramas sombrios, que a história da Inquisição acusa, poucos terão igualado a este no horror.

Quando, por volta de 1671, os cristãos novos decidiram despender grossos capitais para tentar boicotar ou pelo menos alterar a actuação da Inquisição, esta reagiu furiosamente prendendo gente das nove famílias mais abastadas do Reino, nomeadamente dos Penso (quatro), Mogadouro (sete), Pestanas (onze) e os irmãos Chaves (dois, segundo me parece, não três como diz J. Lúcio de Azevedo). Todos sofreram muito. Uma boa parte entrou no jogo, representando o papel que permitia sair com vida de lá de dentro, confessando e denunciando o mais possível. Outros mantiveram-se verticais e pagaram com a vida. Antes disso, ficaram ainda à espera que Roma lhes valesse, o que não aconteceu. E ficaram à espera das sentenças dez e onze anos, quando a morte não chegou mais cedo para os levar.

Como diz acima João Lúcio de Azevedo, uma das famílias mais sacrificadas foi a de António Rodrigues Mogadouro que já muito idoso (80 anos ou perto disso) faleceu no cárcere. Tinha uma fortuna enorme que, como é evidente, a Inquisição tentou confiscar na totalidade, mas uma parte terá sido recuperada no estrangeiro. Foram presos todos os filhos, com excepção de Marquesa Rodrigues que, segundo tudo indica, fugiu num navio inglês 25 de Maio de 1672, juntamente com o marido, Diogo Rodrigues Marques e os quatro filhos pequenos.

 

 

GENEALOGIA (1672)

 

Diogo Álvares Marques , casado com Marquesa Rodrigues, ambos naturais e moradores em Mogadouro, tiveram:

 

Francisco Rodrigues, já defunto, morou em Miranda onde era casado com Maria Lopes, de que lhe ficaram dois filhos

                    Diogo Rodrigues Marques, de 37 anos, casado com sua prima Marquesa Henriques, indicada a seguir

                    António Rodrigues Marques, de 35 anos, viúvo de sua prima Leonor Henriques

Diogo Álvares, casado no Mogadouro com Branca Henriques, estão no Reino de Castela. Tiveram vários filhos entre os quais

                    Jerónimo Rodrigues Marques

                    José Rodrigues

Ana Rodrigues (1642 – Pr. n.º 4990, de Coimbra, relaxada), casada em Miranda com Francisco Henriques (Pr. n.º 4510, de Coimbra), que tiveram (idades em 1643):

                    Isabel, de 30 anos, casada com Tomás Henriques, ausente em Alcanizes, Reino de Castela, não sabe se tem filhos

                    José, de 22 anos

                    António, de 20 anos

                    Diogo, de 18 anos

                    Gaspar, de 16 anos

                    Rafael, de 13 anos

                    Ângela, de 24 anos (Pr. n.º 6279, de Coimbra)

                    Maria, de 11 anos

                    Micaela, de 9 anos

António Rodrigues Mogadouro (Pr. n.º 5412), de 73 anos (falecido no cárcere em 8-7-1679), primeiro casado com Maria Lopes, de que não teve filhos e depois com Isabel Henriques, e tiveram

                   Diogo Rodrigues Henriques (Pr. n.º 11262), de 34 anos

                   Marquesa Henriques, casada com seu primo Diogo Rodrigues Marques, de quem tem Francisco Rodrigues, de 10 anos, José, de 3 anos, Isabel Henriques, de 12, Ana, de 1 ano

                   Violante Henriques (Pr. n.º 8408), de 29 anos, viúva de Pedro Franco de Azevedo, prometida a João Lopes de Leão, de quem está grávida em 1674, falecida no cárcere em 18-2-1674.

                   Branca Henriques (Pr. n.º 8447), de 25 anos - faleceu no cárcere em 29-8-1676

                   Francisco Rodrigues Mogadouro (Pr. n.º 1747), de 22 anos

                   Beatriz ou Brites Henriques (Pr. n.º 4427), de 20 anos

                   Pantaleão Rodrigues Mogadouro (Pr. n.º 7100), de 17 anos

                   Micaela Henriques, defunta aos 18 anos

                   Ana Maria, defunta aos 6 anos

                   Leonor Henriques, que foi casada com seu primo António Rodrigues Marques, defunta, sem filhos

Francisca Lopes (Pr. n.º 1253, de Coimbra), casada com Manuel de Leão; tiveram vários filhos, entre os quais

                   Ana Lopes, casada com João Rodrigues, residentes em Madrid

                   João Lopes de Leão

Isabel Rodrigues, casada em Sambade com Francisco Vaz, não sabe se tem filhos, moradora em Madrid

Maria Álvares, também casada não sabe com quem, nem se tem filhos, moradora no Reino de Castela.

 

ANTÓNIO RODRIGUES MOGADOURO – Pr. N.º 5412

 

Tinha acumulado uma grande fortuna, mas, dada a sua idade, havia já delegado uma boa parte da gestão dos negócios em seu filho Diogo Rodrigues Henriques ou Diogo Mogadouro.

Quando o prendeu em 29 de Julho de 1672, a Inquisição não dispunha de grandes provas contra ele, mas provas era a coisa mais fácil de arranjar, sobretudo, quando se prendiam pessoas da família chegada. Afinal, confessar o que a Inquisição queria era a única maneira de salvar a vida. Com ele foram presos os dois filhos mais velhos, Diogo e Francisco.

O primeiro testemunho é de Manuel Mascarenhas (Pr. n.º 356, de Coimbra), prebendeiro da Universidade de Coimbra, que depôs contra ele em 9-7-1666, depois revogou, depois assentou na confissão e voltou a revogar.

Vêm depois dois pretos de Angola, João e Isabel, escravos dos irmãos António e Diogo Rodrigues Marques, que contam vagamente de cerimónias judaicas, de camisas lavadas sexta à tarde, de portas fechadas e pouco mais.

Começam então as denúncias do grupo dos cristãos novos abastados: Manuel da Costa Martins ou Pestana (Pr. n.º 81) depõe em 25-7-1672.

Em seguida, familiares da Inquisição, que até nem costumam aparecer como testemunhas. Pedro Ferreira faz um longo depoimento em 23-5-1672. Junta duas cartas de um informador de Bordéus (fls. 28 a 31). Na mesma data, depõe o familiar António de Castro Guimarães, dizendo o que ouviu ao italiano Cesar Garci: os irmãos António Rodrigues Marques, viúvo de Leonor Henriques, filha de Mogadouro e Diogo Rodrigues Marques, casado com outra filha, Marquesa Henriques, andavam muito inquietos, após as prisões feitas pela Inquisição. Sobretudo este último planeava fugir para Itália com a família, o mais tardar no dia 25 de Maio, para o que tinha já um barco inglês fundeado no Tejo, planeando ir para Leorne (Livorno). Na mesma data ainda, outro depoimento de Luis Rodrigues, também familiar do Santo Ofício.

Era voz corrente que António Rodrigues Marques tinha um salvo conduto passado pela Cúria de Roma e teria sido essa a razão por que não chegou a ser preso. Quando ao irmão, parece confirmar-se que saiu da barra de Lisboa com a família em 25 de Maio.

A 24 de Maio, os Inquisidores mandaram chamar o Genovês César Garci, que confirmou o que já tinham dito os familiares.

A fls. 55 do processo, uma petição do filho mais moço do réu, Pantaleão e dos sobrinhos Diogo e António, elaborando já contraditas antecipadas contra possíveis denúncias dos presos João da Costa Cáceres (Pr. n.º 2591), Manuel da Costa Martins ou Pestana (Pr. n.º 81) e Martinho Pestana (Pr. n.º 6428), salientando a inimizade destes com os Mogadouro.

O decorrer do processo do ancião Mogadouro (nascido por volta de 1599) até à condenação pode resumir-se assim: nunca confessou que tivesse crença judaica, e começou por se defender contestando por negação a acusação. A esta defesa, os Inquisidores nunca ligavam a mínima importância. Veio depois com contraditas, que eles também desconsideraram dizendo, como quase sempre faziam “não provou coisa relevante”. Os réus bem arguiam que os denunciantes eram seus inimigos, exageravam ao máximo os ódios, mas de pouco valia. É preciso desvalorizar essas arguições. Por exemplo, no caso presente, eram todos amigos. Se denunciaram, foi porque pensavam ser o único modo de salvarem a vida. Foi o que fizeram também os filhos do réu.

Os Inquisidores tiveram no entanto o cuidado de interrogar uma testemunha, Manuel da Silva Duarte, corrector do número, para contrariar as arguições do filho e sobrinhos.

Em 3-6-1673, foi junta ao processo (fls. 59), uma carta de Madrid dirigida ao Inquisidor Geral que se refere aos esforços dos cristãos novos para alterar os procedimentos da Inquisição Portuguesa e que é reproduzida e descrita em pormenor no Cap. XII, do livro “A tormenta dos Mogadouro”, bem documentado, apesar de algumas incorrecções.

Em 9 de Janeiro de 1674, foram emitidos mandados de prisão contra os restantes quatro filhos do réu. Eram novos, não queriam perder a vida e confessaram largamente, sobretudo orações judaicas. Para o processo do réu, foram transcritos os depoimentos de Brites ou Beatriz Henriques (Pr. n.º 4427), de 21-8-1674, de Pantaleão Mogadouro (Pr. n.º 7100), de 23-7-1675, de Francisco Mogadouro (Pr. n.º 1747), de 4-2-1676 e ainda de Ana Pessoa (Pr. n.º 9800), de 20-10-1676, esta casada com Manuel Lopes de Leão.

Entretanto, no processo haviam sido registadas as sessões de inventário e da genealogia (ordem por que são prescritas no Regimento de 1640). O inventário permite constatar que é pessoa de fortuna, embora a administração dos negócios já estivesse nas mãos do filho mais velho. Na Genealogia, o réu é muito reservado a elencar os seus familiares. Não indica a irmã Francisca, nem os sobrinhos. No livro “A tormenta dos Mogadouro” vangloriam-se os autores de terem descoberto que António Rodrigues Mogadouro era casado em 2.ªs núpcias com uma irmã de Manuel Fernandes Vila-Real, Isabel Henriques, mas não dizem onde encontraram a prova disso. Também não é difícil, está a fls. 217 v do Proc. n.º 7794, de M. F. Vila Real, onde diz que ter sido padrinho de Micaela, então (4-11-1649) recém-nascida e depois falecida aos 18 ou 19 anos.

Como habitualmente nos negativos, na sessão in genere e in specie, nega tudo. Seguem-se depois a contestação por negação que nada diz aos Inquisidores e as contraditas a que eles também não dão grande importância, embora o réu exagere e pinte de cores sombrias os seus ódios e inimizades. Aliás os Inquisidores rejeitaram muitas contraditas com argumentos vários.

Os assentos da Mesa (26-2-1676 – fls. 143) e do Conselho Geral (17-3-1676 – fls. 145) condenam-no por unanimidade como negativo, impenitente e pertinaz a ser relaxado à justiça secular.

O processo fica parado porque a actividade da Inquisição está suspensa pelo Breve Cum dilecti, de 3-10-1674.

Mas a idade não perdoou e o réu faleceu no cárcere em 8 de Julho de 1679, de causas naturais, apesar dos cuidados médicos que lhe foram ministrados. Faleceu com actos de cristão.

O defunto (as suas ossadas) não foi ao auto da fé de 10 de Maio de 1682, onde foram absolvidos alguns defuntos , por exemplo, os dois irmãos Chaves. No processo de Mogadouro, em 1683, o Promotor fiscal pediu a continuação do processo contra “a honra, a fama, a memória e a fazenda” do falecido. Era preciso, para completar o confisco.

Foram citados os filhos e os parentes do defunto, mas ninguém se propôs vir defendê-lo. A Inquisição nomeou até um Procurador para o defender, o Licenciado Francisco de Quintanilha. Mais uma vez a inquisição se mostra extremamente ridícula, se não fosse trágica.

Foram reperguntadas as testemunhas, mas o solicitador Jacinto Botelho, encarregado de procurar os escravos João e Isabel, não encontrou ninguém que lhe desse notícia deles (fls. 200).

Os Assentos da Mesa (2-10-1684 – fls. 210) e do Conselho Geral (20-10-1684 – fls. 212) repetiram a condenação e foi redigida a sentença (fls. 214) para ser lida no auto da fé de 26-11-1684.

Conta de custas (fls. 218): 10$046 réis

 

VIOLANTE HENRIQUES – Processo n.º 8408

 

Violante Henriques, viúva de Pedro Franco de Azevedo, de 29 anos de idade,  prometida em casamento a João Lopes de Leão foi presa no mesmo dia do mandado, em 9 de Janeiro de 1674. Estava em adiantado estado de gravidez.

No processo, estavam os depoimentos dos escravos João e Isabel, antes referidos, a denúncia de seu irmão Francisco (Pr. n.º 1747), de 8-1-1674, outra do mesmo de 4-2-1676 (quando já ela tinha falecido), de sua irmã Brites (22-8-1674, no pr. n.º 4427), de seu irmão Pantaleão (23-7-1675, no pr. n.º 7100), do mesmo Pantaleão em 16-11-1676, do mesmo ainda em 9-12-1676, de Ana Pessoa em 14-6-1675 (Pr. n.º 9800), da mesma em 21-8-1675.

Faleceu em 18 de Fevereiro de 1674, depois de ter dado à luz dias antes. Foi medicada, mas sobreveio-lhe uma febre maligna. Faleceu com actos de cristã, tendo-se confessado. No processo, nenhuma referência à criança.

Em Agosto de 1683, prosseguiu o processo a requerimento do Promotor fiscal. Foram até nomeados um Curador e um Procurador para a defesa.

O Assento da Mesa de 2-10-1684 (fls. 69) propôs a condenação, mas o do Conselho Geral de 20 do mesmo mês (fls. 71) determinou que antes fossem reperguntadas as testemunhas que fosse possível encontrar. A condenação da falecida consta do Assento da Mesa (fls. 80) e do Conselho Geral (fls. 82), ambos de 27-10-1684.

Segue-se a sentença (fls.83), que foi lida no auto da fé de 26-11-1684.

Custas (fls. 87) – 6$371 réis.

 

BRANCA HENRIQUES – Processo n.º 8447

 

Branca Henriques, solteira, de 25 anos, foi também presa no mesmo dia do mandado, em 9 de Janeiro de 1674.

No processo, estavam os depoimentos dos escravos de seus primos-irmãos Rodrigues Marques, João e Isabel, a denúncia de seu irmão Francisco (Pr. n.º 1747), de 8-1-1674, de sua irmã Brites ou Beatriz (Pr. n.º 4427), de 21-8-1674, outra da mesma, de 22-8-1674, outra denúncia de Ana Pessoa (Pr. n.º 9800), de 14-6-1675, outra da mesma de 21-6-1675, de seu irmão Pantaleão (Pr. n.º 7100), de 23-7-1675, de seu irmão Francisco (Pr. n.º 1747), de 4-2-1676, outra de seu irmão Pantaleão de 16-11-1676.

A fls. 31, está a transcrição da petição assinada poi seu irmão Pantaleão e seus primos Diogo e António, junta ao processo de seu pai, com contraditas relativas a outros grandes contratadores cristãos novos de Lisboa.

Seguem-se o Inventário (fls. 33) e a Genealogia (fls. 35), a sessão in genere, e in specie e a publicação da prova da justiça. A ré defendeu-se com o seu Procurador por meio da contestação por negação e depois com contraditas, mas para os Inquisidores "não provou coisa relevante".

No Assento da Mesa, de 26-3-1676 (fls.91), foi condenada a ser relaxada à justiça secular por todos os votos e o mesmo aconteceu no Conselho Geral em 24 de Abril seguinte (fls. 93). Em 28 de Agosto de 1676, faleceu no cárcere. Foi medicada, confessou-se, mas o mal não perdoou.

Em 1683, a Mesa decidiu a continuação do processo contra “a honra, a fama, a memória e a fazenda” da falecida. Foi nomeado um Procurador para a defesa, que nada arguiu.

O Assento da Mesa de 2-10-1684 (fls. 143) propôs a condenação, e o do Conselho Geral de 20 do mesmo mês (fls. 145) confirmou, determinando que os seus ossos fossem relaxados à justiça secular.

Segue-se a sentença (fls. 147), que foi lida no auto da fé de 26-11-1684.

Custas (fls. 151): 7 mil e tal réis (a folha está mal digitalizada e não se consegue ler a quantia exacta).

 

BEATRIZ  ou BRITES HENRIQUES  -  Processo n.º 4427

 

Foi presa também em 9 de Janeiro de 1674, quando tinha por volta de 20 ou 21 anos.

No processo estão as denúncias dos escravos João e Isabel, a denúncia de seu irmão Francisco (Pr. n.º 1747), de 8-1-1674, de Ana Pessoa (Pr. n.º 9800) em 14-6-1675, de  seu irmão Pantaleão (Pr. n.º 7100)  em 23-7-1675, de seu irmão Francisco de novo  em depoimento de 4-2-1676, de seu irmão Pantaleão outra vez em 16-11-1676.

Em 21-8-1674, fez uma confissão em que recitou umas célebres orações “judaicas” (assim classificadas pela Inquisição), que se transcrevem de João Lúcio de Azevedo:

Audiência de 21 de Agosto 1674.

 

« Perguntada para que pediu audiência (estava presa desde 9 de Janeiro d'esse ano) e que declarações são as que quer fazer : «Disse que para declarar que de sua própria e boa vontade, «sem constrangimento de pessoa alguma, crê firmemente em Adonai, que  « é o Deus da lei de Moisés, assim e da maneira que manda a mesma lei, « em que ela vive desde que se entende, e a ensinaram suas irmãs mais velhas. Branca Rodrigues, solteira, e Marquesa Henriques, casada com Diogo Rodrigues Marques que se ausentou para Inglaterra, e que por ela confitente entender que a dita lei de Moisés é a verdadeira, e que nela há salvação para a alma, a não deixará, e que nela quer viver e morrer. Segue-se a enumeração das habituais praticas judaicas: guardar os sábados, jejuns, abstenções; depois recita as preces que dirigia ao Altíssimo.

 

Todos os dias de manhã:

 

Louvado seja o Senhor

que assim é esclarecido;

sê tu, meu Senhor, servido

de constante me fazer,

para que o teu bem possa merecer.

 

E mais a seguinte:

 

Bendita la luz del dia,

el Señor que la envía.

Ela nos dê graça e alegria,

e saber para fazer a sua vontade,

para que quando morrer possamos aparecer no reino

da claridade.

 

Em qualquer hora do dia estas outras:

 

Agora começo a rezar ao Senhor dos altos céus, que me ouça a minha voz e a minha oração e petição, e todo o bem, quanto na terra lhe pedir, outorgado e firme seja nos céus, os anjos no céu digam: Amen, glorias sejam dadas ao Senhor.

 

Faze-me, meu Senhor, como a Moisés, para que desça a tua graça e tudo quanto te pedir, a tua vontade se cumpra. Amen.

 

Ensina-me, meu Senhor a louvar-te, com que mereça a tua gloria e salvação, o passado de Israel perdoado à vinda da remissão.

 

 

Abre, meu Senhor tuas santas orelhas,

ouvirás tuas pecadoras ovelhas,

que andam tristes e derramadas,

chamando per ti, Senhor,

que nos dês algum favor.

 

Perdoa-me meus pecados,

dá-me a fé de Abraão,

os trabalhos de Jacob,

a paciência de Job.

 

Perdoaste a David o pecado de Bessabé, perdoa. Senhor a nós pelo poder que em ti é do grão prometimento que Abraão contigo tem, e seu filho se lhe humilhou e nunca se demoveu, mas antes firme estava aos três dias e obediente.

 

Fazei que os anjos que em vossa companhia estão peçam por mim, me livreis do poder de justiças e falsos testemunhos, e dos verdadeiros que me não impeçam. Livrai-me Senhor, assim como livrastes a Noé do diluvio a Jonas do ventre da baleia, aos vossos servos do forno ardente, a Daniel do lago dos leões, a Judith de Holofernes, á Santa Esther das cruéis mãos de Aman. Assim me acudi vós, Senhor, como acudistes a Agar e Ismael no deserto, deitada de casa do seu Senhor. Renovai minhas cousas assim como renovastes á viúva Sarefana, mandastes dar a vida a seu filho por vosso servo Elias; limpai-me, Senhor da lepra dos meus pecados... '

 

Em 22-8-1674, mais confissão. Em 6-9-1674 declara que está arrependida e quer converter-se à Fé católica.

Em 28-3-1675, é-lhe nomeado novo curador.

Em 24-4-1676, o Conselho Geral decide que seja posta a tormento, mas este não é executado logo.

O processo fica parado, como todos os outros.

Em 21-1-1682, revoga parcialmente as suas confissões, no sentido de que nunca teve confirmação directa da crença na Lei de Moisés de seu pai e de seus irmãos.  Apenas conhecia tal crença por lho dizerem suas irmãs.  Dado o mau estado do seu processo, esta revogação é muito mais fácil de consultar a fls. 74 do processo n.º 11262, de seu irmão Diogo, onde está transcrita.

fls. 102 – Assento da Mesa de 9 de Abril de 1682 –  “… e pareceu a todos os votos que, ainda que pelo rigor de direito estavam as suas confissões em termos de não serem recebidas, pelo mau modo delas, por se revogar de seu pai, António Rodrigues, e irmãos, Diogo, Francisco e Pantaleão, dizendo que com eles não passava coisa alguma, nem estes lhe falaram nunca na crença da Lei de Moisés, nem sabia que a tivessem senão pelo que lhe diziam suas irmãs, das quais somente diz em forma, por ser uma ausente e duas defuntas…”, “…contudo, atendendo à piedade do Santo Ofício, e à misericórdia que costuma regularmente praticar com os confitentes, e nesta concorrer a assentar na sua crença, não ter diminuição a parte antea nec post e ser uma ré de muito pouca capacidade, e de muitos achaques, que ela fosse recebida…” Mas mandam que seja posta a tormento.

O tormento foi curto, pois só durou um quarto de hora (fls. 108 v).

O assento da Mesa de 29 de Abril de 1682 (fls. 110) já é mais generoso: “… e pareceu a todos os votos, que, visto dizer de si bastantemente, e de outras pessoas suas conjuntas e não conjuntas, com algumas das quais não estava indiciada, e satisfazer em alguma parte a informação da justiça que contra ela havia, e assentar na crença de seus erros e judaísmo, por que foi presa e acusada…” “ …e que incorreu em sentença de excomunhão maior e confiscação de todos os seus bens para o Fisco e Câmara Real e nas mais penas de direito, e da dita excomunhão maior seja absoluta in forma Ecclesiae, e recolhida em um Recolhimento dos de melhor conta, opinião e Reformação desta Cidade, a arbítrio dos Senhoras Inquisidores, para nele ser instruída nos mistérios da nossa Santa Fé…

A fls. 114, a Sentença, lida no auto da fé de 10 de Maio de 1682.

Conta de custas: 4$863 réis

Terá ficado presa mais cerca de dois anos junto à Igreja de São Lourenço.

  

PANTALEÃO RODRIGUES MOGADOURO – Processo n.º 7100

 

Foi preso também em 9 de Janeiro de 1674, quando tinha 17 anos.

No processo estão as denúncias dos escravos João e Isabel, a denúncia de Manuel da Costa Martins ou Pestana (Pr. n.º 81), de 27-7-1672, de Pedro Ribeiro (Pr. n.º 9076), de 9-12-1673, de seu irmão Francisco (Pr. n.º 1747), de 8-1-1674.

A fls. 16, o Assento da Mesa de 9-1-1674, determinando a prisão com sequestro de bens.

Seguem-se as culpas resultantes das denúncias de sua irmã Brites Henriques (Pr. n.º 4427), de 21-8-1674, outra da mesma do dia seguinte, de Manuel Ferreira, Cavaleiro do Hábito de São Tiago, de 5-1-1672, outra do mesmo de 10-1-1672, de Ana Pessoa (Pr. n.º 9800) de 21-8-1675,  de seu irmão Francisco de novo  em depoimento de 4-2-1676.

A fls. 34, uma folha com apontamentos, indicando os nomes que tem de referir nas suas confissões, que entregou à Mesa em 7-12-1676, como é referido em detalhe na declaração do Notário Manuel Martins Cerqueira a fls. 35.

Foi nomeado seu curador, por ser menor de 25 anos, Agostinho Nunes, Alcaide dos cárceres secretos (fls. 37).

No inventário (fls. 38), disse não ter quaisquer bens, pois vivia em “poder” de seu pai.

Na Genealogia (fls. 39), em 8-3-1674,  não soube dizer a Ave Maria e o Credo.

Na sessão in genere (fls. 41), em 27-4-1674, negou ter crença judaica ou realizar cerimónias judaicas.

A 8-5-1675, foi-lhe nomeado como novo curador, Valentim Correia da Silva, que servia de Alcaide dos Secretos (já Agostinho Nunes tinha sido preso – Pr. n.º 5416).

fls. 44 v – 8-5-1675 – Sessão in specie – Respondeu a todas as perguntas “não passou tal”.

fls. 49 – 14-5-1675 – Admoestação antes do libelo

fls. 50 – Libelo. No final da leitura, disse que era tudo falso, que tinha defesa com que vir e que queria ter um Procurador. Foi nomeado o Licenciado Pedro Calado de Araújo.

Contestou por negação todas as acusações e indicou nove testemunhas (fls. 58 v).  Mas não aparecem no processo os depoimentos destas testemunhas.

Em 23-7-1675, pediu Mesa para fazer as suas confissões (fls. 76). Não quis jurar pelo Evangelhos, porque não cria neles. Pedira audiência para se declarar crente convicto na Lei de Moisés.  Não quer reverenciar a Cristo. Sempre fez cerimónias judaicas.  Disse que são crentes na Lei de Moisés, seu pai, todos os seus irmãos a também seus primos Diogo e António Rodrigues Marques, este viúvo de sua irmã, Leonor Henriques. Todos se tratam como crentes e observantes da mesma Lei.

No exame de fls. 78 v em 16-1-1676, repetiu as mesmas convicções judaicas, e disse “que nesta Lei que Deus deu a Moisés crê a maior parte dos cristãos novos que saem desta Inquisição reconciliados, e só confessam por se verem livres da prisão.”  Disse que quem lhe ensinou a crença foi sua irmã Marquesa Rodrigues, agora ausente em Inglaterra. Disse ser profitente da Lei de Moisés.

2.º exame em 31-1-1676 (fls. 81), repetiu as mesmas convicções.

A fls. 84, o Notário Manuel Martins Cerqueira, certifica em 29-2-1676 entender que o réu “sempre falou sem dar mostras de ter lesão alguma no juízo, que o réu o tem mui perfeito, e toda a capacidade.”

Segue-se uma “Diligência sobre a capacidade do réu”.  Foram ouvidos Valentim Correia da Silva, desempenhando as funções de Alcaide, Agostinho da Costa, guarda, António Henriques, guarda, Manuel Moreira,  guarda, António Gonçalves, guarda, António Ferreira, médico e cirurgião-mor, Manuel Leitão de Andrade, familiar do S.to Ofício, Manuel Ferreira, Cavaleiro do Hábito de São Tiago, Manuel da Silva, natural da Azambuja e residente em Lisboa, Fr. Manuel Godinho, Procurador Geral da Índia, Religioso da Ordem de Santo Agostinho, morador no seu Convento de N.ª Sr.ª da Graça, Manuel da Silva Duarte, homem de negócio, Dr. Crispim do Rego, Físico-mor e Médico dos cárceres, e todos disseram que o réu estava totalmente são do juízo. Estes inquéritos em geral, não dizem mais do que aquilo que os Inquisidores querem que seja dito.

fls. 98 – 16-11-1676 – Confissão

É chamado à Mesa e desta vez dá a volta. Abandona a Lei de Moisés e apresenta-se como crente na Lei de Cristo.  Diz que ele fazia as cerimónias e jejuns judaicos com suas irmãs e não com seu pai, seus irmãos e seus primos.

fls. 101 – 9-12-1676 – Mais confissão

Denuncia Miguel de Campos, ausente em Cádiz, João Lopes de Leão, seu cunhado, Gaspar Lopes e José Pessoa.

fls. 103 v – 13-1-1677 – Crença

fls. 107 – 11-5-1677 – sessão in specie

Interrogado sobre as denúncias contra ele, diz que não passou tal, ou não se lembra de passar tal.

fls. 109 v – 13-5-1677 – Admoestação antes do libelo

fls. 111 – Libelo

O réu contestou o libelo pela matéria das suas confissões. Perguntado se tem defesa com que vir e se quer estar com o seu Procurador, disse que não tinha defesa com que vir e não queria estar com o seu Procurador “e o dito Senhor Inquisidor o lançou e houve por lançado da com que pudera vir e mandou corresse este processo em seus termos ordinários”.

fls. 117 – 19-1-1680 – Termo de novo curador

É-lhe atribuído como curador o Licenciado António de Gouveia de Vasconcelos, Comissário do Santo Ofício.

fls. 118 – 19-1-1680- Novo procurador – Licenciado Francisco Soares Nogueira

fls. 127 – 9-4-1682 – Assento da Mesa

Diz “Foram vistos pela 2.ª vez”, mas não aparece no processo nenhum assento anterior. “E pareceu a todos os votos que visto dizer de si bastantemente, de seu pai e irmãos e outras pessoas suas conjuntas e não conjuntas com algumas das quais não estava indiciado, e satisfazer a maior parte da informação da justiça que contra ele havia e assentar na crença de seus erros e judaísmo por que foi preso e acusado, ele seja recebido ao grémio e união da Santa Madre Igreja, com cárcere e hábito penitencial perpétuo…”

fls. 129 – 2-5-1682 – O Conselho Geral concorda e acrescenta: “… e mandam que ele seja recebido em um Convento de Religiosos, ou em outra reclusão a arbítrio dos Inquisidores, onde ele será instruído nas matérias da nossa Santa Fé Católica e doutrina cristã.”

fls. 131 – Sentença

fls. 138 – Anotação de ter ido ao auto publico da fé de 10 de Maio de 1682

fls. 139 – Abjuração em forma

fls. 139 v – 13-5-1682 – Termo de Segredo

fls. 141 - 21-5-1682 – Termo de ida e penitências

fls. 142- -21-5-1682 – Anotação de se ter confessado

fls. 143 – Conta de custas: 5$769 réis.

Um ano depois, em 1683, Pantaleão solicitou a libertação do cárcere que padecia em São Lourenço. Exigiram a ele e seu irmão uma fiança de 2 000 cruzados, para que não conseguiram encontrar fiador.

Depois, em 1684, encontraram um certo Braz Teixeira, vizinho da Rua das Mudas, que aceitou fiá-los em 100 000 réis, com que conseguiram convencer o Inquisidor Geral a libertá-los, dispensando-os também do hábito penitencial. Foi libertado no final de Abril de 1684.

Parece que Pantaleão foi depois para Inglaterra, onde fez fortuna nos negócios.

  

FRANCISCO RODRIGUES MOGADOURO – Processo n.º 1747

 

Foi preso com seu pai e seu irmão Diogo em 29 de Julho de1672.

No processo estão as denúncias de João e Isabel, escravos de seu primo António Rodrigues Marques, de Jorge Ribeiro (Pr. n.º 2596), em 4-5-1672, de Luis Álvares (Pr. n.º 10721) em 28-6-1672, de Manuel da Costa Martins ou Pestana (Pr. n.º 81) em 27-7-1672.

Segue-se a “Cópia do sumário da fuga”, denúncias respeitantes à fuga de Diogo Rodrigues Marques e esposa Marquesa Henriques, com os filhos, feitas por Pedro Ferreira, António de Crasto Guimarães e Luis Rodrigues, todos familiares do S.to Ofício, tendo sido depois chamado à Mesa, Cesar Garci, italiano, de Génova.  Do texto deduz-se que o navio zarpou de Lisboa em 25 de Maio de 1672.

Com o réu já preso, surgem as denúncias de sua irmã Brites Henriques (Pr. n.º 4427) em 21 e 22 de Agosto de 1674, de seu irmão Pantaleão (Pr. n.º 7100) em 23 de Julho de 1675, de Ana Pessoa (Pr. n.º 9800) em 21 de Agosto de 1675, de Gaspar Lopes Pereira (Pr. n.º 2744), em 26-10-1675, outra de seu irmão Pantaleão em 16-11-1676.

fls. 40 – 28-9-1672 – Foi nomeado seu curador por ter 24 anos, o alcaide dos cárceres secretos, Agostinho Nunes.

fls. 40 v na mesma data – Inventário – Declarou não ter quaisquer bens, por não ter havido partilhas por morte de sua mãe.

Na Genealogia, soube mal a Salve Rainha, os Mandamentos da Lei de Deus e os da Santa Madre Igreja.

Esteve a morar no Brasil sete anos, na cidade da Baía.

fls. 46 – 18-12-1672 – Sessão in genere

Negou ter feito qualquer das cerimónias judaicas que lhe foi mencionada.

fls. 48 – 29-12-1673 – Confissão

Há quatro anos e meio no Terreiro do Paço com Miguel Ildefonso e José de Estrela aconselharam-no a passar a crer na Lei de Moisés.

fls. 52 – 5-1-1674 – Mais confissão

Recitou uma oração judaica que o Miguel Ildefonso lhe tinha ensinado.

fls. 53 – 8-1-1674 – Mais confissão

Há quatro anos em casa de seu pai se declararam crentes na Lei de Moisés ele, ele, seu irmão Pantaleão e suas irmãs, Branca, Brites e Violante.

fls. 55– 11-1-1674 – Sessão da Crença

fls. 58 – 12-1-1674 – Mais confissão

Há três anos e três meses, em Lisboa, em casa de seu pai, esteve com João Guedes Lobo, filho de Gonçalo Lobo Guedes e se declararam crentes na Lei de Moisés.

Há quatro anos e cinco meses, na Rua das Mudas, em casa de Francisco da Costa, agora já defunto, declararam-se por crentes na Lei de Moisés.

Há três anos e quatro meses, em casa de seu pai, se achou com Dionísio Rodrigues (Pr. n.º 773), filho de Francisco da Costa, e se declararam por crentes na Lei de Moisés.

Há quatro anos e meio, em casa de seu pai, se declarou também com João dos Rios, que fala meio castelhano e meio português.

Há dois anos e quatro meses, em casa de seu pai, se declarou com Sebastião Lopes Dias.

Há quatro anos e meio, no Pátio das Comédias, no camarote de seu irmão, se encontrou com Jorge Dias Brandão, casado com Branca da Silva , o qual foi depois para Anvers ter com seu sogro Duarte da Silva, e, entre práticas, deram conta de como criam na Lei de Moisés.

Há quatro anos e quatro meses, no Rossio, se encontrou com Diogo Mendes de Leão e com o irmão deste, Gonçalo Lopes Mendes, filhos de António Mendes de Leão, e se declararam todos como crentes na Lei de Moisés.

Há treze anos e onze meses, indo num navio para o Brasil com seu primo Jerónimo Rodrigues Marques, e com outro seu primo António Rodrigues Marques, verificou que seus primos faziam jejuns judaicos, mas não sabe em que dias.

Confessa que já fez jejuns judaicos no cárcere, do que está muito arrependido.

fls. 63 v – 7-5-1674 – Sessão in specie

A todas as perguntas dos factos de que estava denunciado, respondeu “Não se lembra de ter passado tal”.

fls. 66 – 15-5-1674 – Admoestação antes do libelo

fls. 67 – Libelo

Finda a leitura, o réu disse que tinha defesa com que vir e queria estar com Procurador. Foi-lhe atribuído o Licenciado Francisco Soares Nogueira. A 25 de Maio, através do seu Procurador, o réu pediu uma folha de papel para escrever tudo o que lhe lembrasse.

fls. 74 – A 28-5-1674, o Notário Filipe Barbosa certifica que o réu entregou a folha que recebera partida em três partes, escrita com disparates, motivo por que se não juntou ao processo. Concluiu a Mesa que o réu se queria fingir louco e por isso mandou-o açoitar.

fls. 76 – Publicação da prova da justiça – 8 testemunhos. Ouvida  a leitura, o Réu disse que não tinha contraditas com que vir, nem queria estar com o seu Procurador. Então “o Senhor Inquisidor o lançou e houve por lançado das com que pudera vir”.

fls. 80 – Acresce nova prova: as orações recitadas por sua irmã Brites Henriques no seu depoimento.

fls. 86 – 7-5-1675 - Foi-lhe dado como Procurador o Licenciado Pedro Calado de Araújo. A sessão que com este teve é muito elucidativa:

Suposto que este preso fala tão fora de propósito e variando sempre as matérias, e não concluindo em coisa alguma que o possa bem defender, negando haver cometido o que as testemunhas dizem, e alegando por matéria da sua defesa haver vivido sempre na Lei de Cristo, e observância de seus mandamentos, e cerimónias da Igreja e preceitos dela, o que toca a esta matéria não deduzo por artigos, por não ser este lugar, mas sendo admitido por via da restituição de preso e menor que implora, o farei.

No que toca às contraditas, que é o que de que agora se devia tratar: a razão principal que dele colho, é ser filho de António Rodrigues Mogadouro, que é homem de negócio, e tem muitos tratos, em que é força tivesse muitos inimigos, o dito dos quais lhe não deve prejudicar; porém, ele não está lembrado dos ditos inimigos. E mostra não estar em seu perfeito juízo, com as mil coisas a que logo se diverte, enjactando mil variedades e dando a entender que ter dito alguma coisa na confissão de suas culpas, foi com medo dos açoites e este, repetidos eles, o fazem dizer mil outros disparates. Tudo o que me pareceu devia adverti-lo convinha a sua defesa lhe pratiquei, e cada vez o achei mais vário, medroso sempre dos açoites, e tudo é pedir-me chorando lhe faça petição a V. Senhorias para que o não açoitem.

E enfim, enquanto ele me não falar a propósito, que entenda eu está em seu perfeito juízo, o não posso defender. E protesto fazê-lo a todo o tempo que em seu juízo estiver e que entretanto não constar com toda a certeza está em seu juízo perfeito, se não atenda a dito algum seu, que estando fora dele lhe não deve prejudicar. E em seu nome peço instantemente misericórdia, e atenção a ponto tão importante, et in omnibus juris, complementum meliori via, et forma juris. a) Pedro Calado de Araújo. a) Francisco Rodrigues Mogadouro.

Esta nota do Procurador é muito reveladora:

- Enquanto as estruturas do Santo Ofício dizem sempre que o réu se quer fingir doido, o Procurador afirma claramente que ele não está em seu perfeito juízo;

- Como a Inquisição não pode condenar doidos e teria de parar o processo, vai arranjar uma bateria de gente que dirá que ele não tem lesão nenhuma no juízo;

- Os açoites nunca são referidos pelos Inquisidores mas apenas, de quando em quando, pelos Notários. Esta nota demonstra que deveriam ser utilizados com alguma frequência, mesmo que não referidos nas actas das sessões.

fls. 93 – O Notário João Cardoso certifica que o réu não tem lesão nenhuma no juízo;

fls. 95 – 10-5-1675 -  O Notário Manuel Martins Cerqueira certifica que, falando com o réu, “ele discorreu e respondeu com mui perfeito juízo, sem mostrar a menor lesão nele, e, concluindo, falou em seu pai, dizendo que se compadecessem dele, que era um homem muito velho e que não era justo padecesse pelos testemunhos de dois negrinhos…”

fls. 98 – O Promotor publica os testemunhos do irmão Pantaleão e de Ana Pessoa. Lidos ao réu, ele disse que não tinha contraditas com que vir nem para que estar com o Procurador. Mas o Inquisidor mandou-o reunir com o Procurador, em 28-9-1675.

fls. 100 v – 28-9-1675 - Escreve o Procurador: “O réu Francisco Rodrigues Mogadouro não tem razão de contraditas alguma de que se lembra de mais do que tem alegado, (….) e tudo o que diz são disparates e somente pede perdão e misericórdia e nega haver cometido as culpas de que as testemunhas de que se lhe fez publicação lhe fazem.”

fls. 101 – 29-9-1675 - Despacho dos Inquisidores: “Visto como estando o réu Francisco Rodrigues Mogadouro com o seu Procurador para lhe formar contraditas não veio com elas, o lançamos e havemos por lançado das com que pudera vir. (…) nem também que havia que deferir ao que o Procurador do réu diz nas ditas cotas acerca da sezão do juízo do réu, por não ter fundamento algum, pois consta evidentemente nesta Mesa que ele o tem muito perfeito como o mostrou nas sessões que com ele se tiveram e se mostra das certidões juntas, e da informação do Alcaide, que declarou que ele fez e faz a sua pauta com toda a miudeza e boa disposição e que nunca houve uma leve dúvida em seu juízo; de que se colhe que ele quis enganar o seu Procurador com este seu fingimento, nem também ser necessário fazer-se diligências ex officio, vista a qualidade das testemunhas que lhe dão a cumplicidade do seu pai, e a prová-las ele com sua confissão…”

fls.102 – 24-1-1676 – Exame

fls. 104 – 29-1-1676 – Revogação – Revogou todas as denúncias que tinha feito e declara que nunca foi judeu. Disse que é e foi sempre bom católico “e que a causa que teve para dizer o contrário, foi entender que, se não confessasse, o haviam de queimar”.

fls. 109 – 1-2-1676 – Exame sobre a revogação.

fls. 112 v – 4-2-1676 – 2.º Exame e Assenta – Começou por dizer que não tem culpas e que mantém a revogação que fez de todas as suas confissões, mas depois disse que fez a revogação por estar falto do juízo e assim assenta nas suas confissões. Logo a seguir, denuncia seu pai, seus dois irmãos, Diogo e Pantaleão e suas três irmãs Violante, Brites e Branca, mencionando para todos estes, primeiro uma culpa seis anos e meio antes e continuadamente nos dois anos seguintes.

Denuncia agora seu primo e cunhado António Rodrigues Marques. Mas depois revoga as denúncias de Miguel Ildefonso, José de Estrela, João Guedes Lobo, Francisco da Costa, Dionísio Rodrigues, Jorge Ribeiro, Sebastião Lopes Dias, Jorge Dias Brandão, Diogo Mendes de Leão e seu irmão, Gonçalo Lopes Mendes.

fls. 124 – É notificado da culpa que lhe foi dada por Gaspar Lopes Pereira. Não tem contraditas com que vir e desta vez não o obrigaram a estar com o Procurador.

fls. 126 – 23-3-1676 – Assento da Mesa

Ficam muito longe de estar satisfeitos os inquisidores e deputados da Inquisição de Lisboa com o réu. Nada disse de sua irmã Marquesa, que lhe foi dada como cúmplice por sua irmã Brites. Também não declarou seis cúmplices que foram indiciados pelo escravo João, preto de Angola, reprovam-lhe “as inverosimilidades de suas confissões, estreiteza delas, o mau modo com que as fez, revogando-se em todo das mesmas, e persistindo ainda em grande parte da dita revogação e os fingimentos de que tem usado.” Por estas razões acham que deve ser submetido a tormento.

fls. 129 – 5-5-1676 – Assento do Conselho Geral

Não concordam e mandam fazer a diligência sobre a capacidade do réu e a seguir duas sessões com uma admoestação apertada (n.º I, tit. XI. ,Liv. II do Regimento de 1640) .

fls. 131 – 18-6-1676 – “Diligência sobre a capacidade do réu em virtude do Assento retro-próximo do Conselho”.

Foram ouvidos o Alcaide Valentim Correia da Silva, os guardas António Henriques e António Gonçalves, o cirurgião-mor António Ferreira, o Dr. Crispim do Rego, Físico-mor e médico dos cárceres, Manuel Leitão de Andrade, familiar, Padre Mestre Fr. Manuel Godinho, Religioso da Ordem de S.to Agostinho, Padre Mestre Fr. João Carneiro, Religioso da Ordem da Santíssima Trindade, Manuel da Silva, natural de Azambuja e morador em Lisboa, aos espingardeiros, Manuel da Silva Duarte, homem de negócio, Manuel Ferreira, Cavaleiro da Ordem de Santiago, e todos declararam que não viam no réu nenhuma lesão no juízo e que ele tinha bom entendimento.

fls. 140 – 16-7-1676 – 1.ª sessão apertada

Diz que não tem mais que dizer, não quer alegar mais nada e não quer estar com o Procurador.

fls. 142 – 31-7-1676 – 2.ª sessão apertada

Repete o mesmo que dissera na 1.ª sessão.

fls. 145 – 2-10-1676 – Assento da Mesa

Na Mesa, repetem o mesmo que haviam dito em 23 de Março: deve ser levado a tormento.

fls. 147 – 13-11-1676 – Assento do Conselho Geral

Mandam seja perguntado seu irmão Pantaleão se as pessoas de quem diz estavam todas juntas ou se se declarou separadamente com cada uma delas.

fls. 150 – 23-11-1676 – Assento da Mesa

Repetem que deve ir a tormento com dois tractos espertos.

Falta no processo o Assento do Conselho Geral, mas à transparência consegue ler-se que a 4-12-1676, concordaram com a ida a tormento com dois tractos espertos.

fls. 155 – 14-1-1682 – Notificação para formar interrogatórios a fim de serem reperguntadas as testemunhas. O Procurador volta a ser o Licenciado Francisco Soares Nogueira.

As reperguntas são substituídas por certidões dos Notários de que as testemunhas foram reperguntadas noutros processos.

fls. 166 – 8-4-1682 – Assento da Mesa

Dizem ter dado cumprimento às novas determinações do Breve de Sua Santidade Inocêncio XI, de 22-8-1681 e mantêm a decisão de levar o réu a tormento.

fls. 168 – 17-4-1682 - Assento do Conselho Geral

Confirmado o Assento de 4-12-1676: que seja posto a tormento com dois tractos espertos.

fls. 171 v – 18-4-1682 – Na casa do tormento

Por ser muito curto de braços e pesado, o médico e o cirurgião disseram que o réu não podia levar tractos de polé, por isso foi estendido no potro.  O réu dizia que “Jesus lhe valesse e fosse com a sua alma” e, atadas as mãos, vieram o médico e o cirurgião dizer que o réu não podia levar tracto esperto mas só tormento no potro e dadas as voltas correspondentes ao tormento em que estava condenado, foi mandado desatar. Durou o tormento cerca de meia hora.

fls. 174 – 26-4-1682 – Assento da Mesa

“… e pareceu a todos os votos que, visto dizer de si bastantemente, de seu pai e irmãos e algumas pessoas suas conjuntas e não conjuntas com algumas das quais não estava indiciado, e satisfazer a maior parte da informação da justiça que contra ele havia, e assentar na crença dos seus erros e judaísmo, por que foi preso e acusado, e o que purgou no tormento, ele devia ser recebido…”

fls. 176 – 2-5-1682 – Assento do Conselho Geral

Confirmam o Assento da Mesa.

fls. 178 – Sentença

fls. 179 v – Anotação de ter ido ao auto da fé de 10-5-1682

Segue-se a abjuração em forma, o termo de segredo e o da ida e penitências.

fls. 183 – 20-5-1682 – Anotação de se ter confessado.

fls. 184 – Conta de custas: 6$367 réis

fls. 186 – Foi solto e libertado da obrigação do hábito penitencial no final de Abril de 1684.

 

DIOGO RODRIGUES HENRIQUES – Processo n.º 11262

 

Foi preso com seu pai e seu irmão Francisco em 29 de Julho de 1672.

No processo estão as denúncias de João e Isabel, escravos de seu primo António Rodrigues Marques, de Jorge Soares de Macedo, Capitão de Infantaria do Terço de Cascais, natural da vila de Óbidos e residente em Lisboa, denúncia de 16-1-1672, de Luis Álvares (Pr. n.º 10721) em 28-6-1672, de Manuel da Costa Martins ou Pestana (Pr. n.º 81) em 27-7-1672.

Segue-se a “Cópia do sumário da fuga”, denúncias respeitantes à fuga de Diogo Rodrigues Marques e esposa Marquesa Henriques, com os filhos, feitas por Pedro Ferreira, António de Crasto Guimarães e Luis Rodrigues, todos familiares do S.to Ofício, tendo sido depois chamado à Mesa, Cesar Garci, italiano, de Génova.  Do texto deduz-se que o navio zarpou de Lisboa em 25 de Maio de 1672.

A fls. 26 v, o Notário Filipe Barbosa certifica o Decreto de prisão do réu, que se encontra no processo n.º 5412 de seu pai, António Rodrigues Mogadouro.

Já depois de o réu estar preso, aparecem as denúncias de Jorge Ribeiro (Pr. n.º 2596) em 2-8-1672, de Manuel da Costa Martins ou Pestana em 16-8-1672, de Jorge Coelho Henriques (Pr. n.º 10736), de 29-11-1673, de João da Costa Cáceres (Pr. n.º 2591), de 2-12-1673, de Pedro Ribeiro (Pr. n.º 9076), de 9-12-1673.

fls. 34 – 23-2-1674 – Manuel Saraiva Dobles, que foi soldado e é natural e morador em Lisboa na Cordoaria Velha vem denunciar o que ouviu a António Martins que foi cerieiro e de presente faz viagens para o Brasil. O Inquisidor ouviu-o mas depois procurou a António Martins para ouvir a denúncia da boca dele (fls. 35) em 2-3-1674. Contou ele que, cinco anos antes, entrando pela porta da Igreja de São Domingos, iam diante dele Manuel da Costa Martins e Diogo Rodrigues Mogadouro e ouviu este último dizer para o primeiro: “Olhai se estão já lá postos aqueles bem aventurados” referindo-se aos retratos dos relaxados que se encontram naquela Igreja. O Manuel da Costa olhou para trás e ficou muito sobressaltado ao vê-lo a ele testemunha, mas saudaram-se todos e seguiram o seu caminho.  Não veio logo denunciá-los ao Tribunal, porque não lhe pareceu importante. Perguntado se lhe pareceu que Diogo Mogadouro estivesse tomado do vinho, respondeu negativamente.

fls. 37 v – Denúncia de Francisco Manuel Delgado na Inquisição de Sevilha em 12-2-1674.

fls. 39 – Denúncia de sua irmã Brites Henriques (Pr. n.º 4427) em depoimento de 21 e 22 de Agosto de 1674. Mais uma vez são transcritas as célebres orações de sua irmã Brites.

fls. 51 – Denúncia de seu irmão Pantaleão (Pr. n.º 7100), em depoimento de 23 de Julho de 1675.

fls. 52 v – Denúncia de Ana Pessoa (Pr. n.º 9800) em depoimento de 21-8-1675.

fls. 56 – Denúncia de seu irmão Francisco Rodrigues Mogadouro (Pr. n.º 1747), em depoimento de 4-2-1676.

fls. 81 – Denúncia de Pedro Duarte Ferrão (Pr. n.º 8096), em depoimento de 4-5-1682.

fls. 82 – Denúncia de Fernão Morales Penso (Pr. n.º 6307), em depoimento de 2-8-1683.

fls. 84 – Cópia da sessão em que Francisco Manuel Delgado (Pr. n.º 11280) assenta em suas confissões – depoimento de 25-8-1682

fls. 58 – Cópia da petição de contraditas apresentada em 13 de Março de 1673 por Pantaleão Rodrigues Mogadouro, Diogo Rodrigues Marques e António Rodrigues Marques que está no processo n.º 5412, de António Rodrigues Mogadouro.

fls. 110 – 25-8-1672 – Inventário – Tem 64 páginas. Nele se constata a riqueza da família e que uma boa parte da gestão dos negócios tinha já passado para o filho mais velho.

fls. 142 – 11-9-1672 – Genealogia

fls. 195 – 23-11-1672 – Sessão in genere. Todas as perguntas têm a mesma resposta: “Disse que não fez tal.”

fls. 147 – 12-4-1674 – Sessão in specie. à enunciação das denúncias contra ele responde sempre “que não passou tal”.

fls. 150 – 26-4-1674 – Admoestação antes do libelo. Libelo. Depois de ouvido, diz que tem contraditas com que vir e quer estar com Procurador.

fls. 153 – 17-5-1674 – Nomeação do Procurador, Licenciado Francisco Soares Nogueira.

fls. 158 v – 17-5-1674 – Defesa – Contestação por negação. O Procurador escreve 14 páginas. Os Inquisidores não davam qualquer importância a este tipo de defesa.

fls. 168 v – 28-5-674 – Despacho aceitando a defesa, manda ouvir as testemunhas indicadas

fls. 166 – 20-11-1674 – Começam a ser ouvidas as testemunhas

fls. 217 – Publicação da prova da justiça. Ouvida a leitura, declarou que tinha contraditas com que vir e queria estar com o Procurador para formar interrogatórios.

fls. 220 v – 24-7-1674 – Estância com o Procurador para a defesa

fls. 225 – 24-7-1674 – Defesa por contraditas. O Procurador escreve 23 páginas de alegações de contraditas. Dentro da lógica do processo inquisitorial, o réu multiplica as pessoas que são suas inimigas, no sentido de diminuir o crédito dos testemunhos.

Os Inquisidores pouco ou nada ligavam às alegações. São muito raros os processos em que aceitam a diminuição do crédito das testemunhas, em face das contraditas. Neste processo, diz a sentença: “… se lhe fez publicação de seus ditos (das testemunhas), conforme ao estilo do Santo Ofício, a que veio com contraditas, que também lhe foram recebidas, e não provou coisa que o relevasse”. As alegações de contraditas eram até contraproducentes porque, denegadas estas, parecia que o testemunho ganhava mais crédito (que evidentemente não tinha). Aqui, os Procuradores faziam um trabalho que se revelava de baixo nível, pois simulavam uma seriedade que o processo não tinha.

As contraditas servem, porém, para dar pormenores para biografar os personagens.

fls. 237 – 7-8-1674 – Mais provas contra o réu. Depoimento de Francisco Manuel Delgado. O réu disse que não tinha defesa, nem queria estar com o Procurador, mas os Inquisidores obrigaram-no a isso.

fls. 240 v – 7-8-1674 – Defesa por contraditas

fls.242 – 9-8-1674 – Nomeação de testemunhas às contraditas

fls. 280 – 18-4-1675 – Mais provas contra o réu. Depoimento de sua irmã Brites Henriques. O réu disse que tem contraditas e quer estar com Procurador.

fls. 286 – 18-4-1675 – Novo procurador, o Licenciado Pedro Calado de Araújo. Defesa por contraditas. Estas não são recebidas, porque as pessoas mencionadas nelas, não entram na culpa que lhe foi dada.  

fls. 293 – 2-5-1675 – Nomeação de testemunhas

fls. 297 – 30-8-1675 – Mais provas contra o réu. Depoimentos de seu irmão Pantaleão e de Ana Pessoa.

fls. 298 v – 30-8-1675 – O Procurador argui contraditas contra António Serrão de Crasto, referindo um episódio em que o réu correu à paulada um Domingos Lobo, que estava na sua botica. Mas este não era de modo nenhum filho do boticário, como é referido  em “A tormenta dos Mogadouro”.

fls. 300 – 30-8-1675 – Nomeação de testemunhas

fls. 301 – 3-9-1675 – Despacho. As contraditas não são recebidas.

fls.303 – 9-3-1676 - Mais provas contra o réu – Depoimento de seu irmão Francisco.

fls. 304 v – 9-3-1676 – Defesa por contraditas

fls. 250 a fls. 280 – 7-1-1676 – Audição das testemunhas às contraditas

fls. 306 – 5-2-1676 - Testemunhas às contraditas chamadas pela Inquisição

- António Rodrigues Marques, primo-co-irmão do réu – Disse que o réu, seu primo, tinha inimizade com João da Costa Cáceres, Manuel da Costa Martins e Jorge Ribeiro. A seu irmão Francisco, não tinha ódio mas chamava-o “tolo”.

- Manuel Preto Valdez, familiar do Santo Ofício – Disse que não sabe que o réu tenha diferenças, inimizades ou ódio com pessoa alguma. E que tinha amizade com seu irmão Francisco.

- Catarina da Silva, solteira, de 50 anos, natural de Cachoeira-Alenquer, empregada da casa dos Mogadouro – Disse saber que havia diferenças e inimizades com João da Costa Cáceres e Manuel da Costa Martins. E que o réu não se dava bem com o Francisco, porque a certa altura, quando desapareceram em casa algumas moedas de ouro, o pai culpou o Diogo, mas este culpou o Francisco que lhe ficou com raiva.

- Jerónimo de Carvalho, empregado na casa dos Mogadouro – Não sabe que o réu tenha inimizades com alguém nem que haja diferenças entre ele e seu irmão Francisco.

 

Processo pelo excesso de receber escritos de pessoa solta estando ele preso

 

No final de Agosto de 1674, descobriu-se na Inquisição de Lisboa que Juliana Pereira, amiga e cliente da família Mogadouro, desde há um ano que levava cartas de António Rodrigues Marques para o seu primo Diogo Rodrigues Henriques. Entregava-as ao Alcaide, Agostinho Nunes, que, por sua vez, as entregava ao réu preso. Foi instaurado o processo, ela presa em 26-8-1674, ouvida, e depois o Alcaide, já de 65 anos, em 12-10-1674. Como é evidente, o Alcaide recebera prendas valiosas. António Rodrigues Marques não foi acusado, nem preso, nem ouvido e Diogo Rodrigues Henriques não foi condenado, apesar de negar contra toda a evidência.

Juliana Pereira foi degredada para Angola por cinco anos e ainda esteve dois anos no Limoeiro à espera de transporte. O processo do Alcaide não tem sentença. O Assento do Conselho Geral de 23-11-1676 condenou-o a ser açoitado pelas ruas da cidade e a ser degredado cinco anos para as galés, sem soldo. A pena não deve ter sido cumprida, porque ele faleceu no cárcere da Inquisição em 31-1-1679.

fls. 86 – Confissão de Juliana Pereira (Pr. n.º 7668) em dep. de 11-10-1674

fls. 91 – Confissão de Agostinho Nunes (Pr. n.º 5416), em dep. de 27-10-1674

fls. 93 – 30-5-1674 - Exame in genere

Disse conhecer as regras de segredo da Inquisição mas que nunca as violara.

fls. 96 – 18-11-1676 – In specie

Negou tudo

fls. 98 – 20-11-1676 – Admoestação antes do libelo. Libelo

fls. 104 – 10-4-1682 – Assento da Mesa

“… e pareceu a todos os votos que ele pela prova da Justiça estava convicto no excesso de receber escritos estando preso nestes cárceres de seu primo António Rodrigues Marques, por via do Alcaide que era dos mesmos cárceres, Agostinho Nunes (…) mas que considerado bem este negócio e o parco dano que por culpa do Réu resultou ao S.to Ofício dele, se devia presumir contra ele deste facto muito leve culpa; pois estando preso e não obrando diligência alguma para o dito feito, usou em receber os ditos escritos de uma acção natural que em nenhum Direito é proibida. E assim por esta causa, como por estar convencido no crime de judaísmo, o qual como maior absorvia a pena deste, não havia lugar de ter outra mais que a de se fazer menção na sentença que cometera o excesso de receber os ditos escritos…”

fls. 106 – 24-4-1683 – Assento do Conselho Geral, idêntico ao da Mesa.

 

fls. 60 – 20-8-1676 - Denúncia de Manuel de Almeida (Pr. n.º 9482), alfaiate, natural do lugar de Cadafaz, termo de Celorico da Beira, e morador na Covilhã, acusado de bigamia. Era companheiro de cárcere do réu e foi lá posto certamente como espião, vistos os pormenores que dá. Disse ele que no 14 de Abril anterior, o réu pegou em duas toalhas e fez de uma, capa de asperges e de outra estola e exclamou: “Meu Jesus Moisés porque me não acudis, não sabeis que estou aqui de rodilhas por vosso respeito, que sempre vos fui leal em vos servir e amar, os outros tenzeos (tem-los) em um pote de água, e eu em um caixão tão estimado, não sabeis que cada Judeu é um Deus e cada Deus um Judeu, que quereis que confesse, eu não hei-de culpar ninguém, que os homens de bem morrem judeus honrados, e não Judeus de trampa, não importa que aqui esteja padecendo entregado a quatro clérigos de cabeça rapada, que se estão fazendo por meu respeito Ilustríssimos Senhores e a mim Ilustríssimo patife”.

Em 19 de Maio “disse e afirmou em presença dele declarante em voz inteligível que o filho que pariu a Virgem Nossa Senhora era homem humano, vilão ruim, e filho de um carpinteiro, pobre como Job”.

E que no dia 2 de Agosto, disse as palavras seguintes, sentado na cama:

Ah, meu Deus, vós não quereis senão fazer escárnio de mim, nem fazeis conta de me dar liberdade sem eu culpar quatro coitados; pois enganais-vos e sois muito néscio nisso, que os homens honrados não culpam ninguém, ainda que estejam presos toda a sua vida”.

A 6 do mesmo mês de Agosto, disse, olhando para o céu: “Vós meu Deus não quereis que eu vá lá fora gozar desse sol, pois se agora vos colhesse vos havia de dar dois açoites”.

Mas ontem, dia 19, “disse  o dito homem pela manhã, que se dizia que as Pessoas da Santíssima Trindade eram três, a saber, Padre, Filho e Espírito Santo e que  o Filho, enquanto crucificado não era nada e que o Padre significava enquanto Deus, Paterno, e que o Espírito Santo significava Israel, e que por isso os Judeus diziam a oração seguinte: A ti por Deus louvemos, a ti por Deus confessemos, a ti, eterno Pai e Senhor, todos na terra te venerem, Criador da Luz, fundidor da escuridade, Salvador, Redentor e glorificador, do nada fazeis tudo e de tudo fazeis nada, alabado sejais para todo o sempre. Amen.

Respondendo aos Inquisidores diz o denunciante que o réu não tem lesão nenhuma no juízo, mas que pretende fingir-se doido, como faz nessas ocasiões, mas que noutras coisas fala normalmente e come e dorme muito bem.

Sobre a crença do réu, “disse que pelo que tem ouvido ao dito Diogo Rodrigues e agora referiu nesta mesa, entende que não é bom Cristão, nem crê em Cristo Senhor nosso, nem em sua Santa Lei.”

fls. 63 – 27-4-1677 – Prosseguiu o seu relato o companheiro do cárcere:

Disse que há cerca de 8 meses, disse-lhe o Diogo, “que um Padre da Companhia, cujo nome não declarou, pregando, afirmara que Cristo Senhor Nosso padecera pelos homens e acrescentou o dito Diogo Rodrigues, que ele era o que estava padecendo pelo mesmo Cristo, que era um traidor, e que se acaso padeceu, não seria pelo amor dele, que seria por aqueles que não sabiam o que deles havia de ser; e que o mesmo Senhor fora um grande porco, e que nem verdadeiro homem era, quanto mais verdadeiro Deus, porquanto não cumprira a palavra que tinha dado na Lei de Moisés; e que ainda Salomão morrera mais honrado porque morrera Santo e ele pobre e desdichado, ao sabor dos açoites. E ele em dizer que cria em Deus Padre, e que cria em um só Deus é o que bastava, e que daí em diante havia de dizer: Creio em Deus Padre todo poderoso, Criador do Céu e da Terra e em Diogo Rodrigues, um só seu filho.”

Noutra ocasião, “disse que Deus era de mau procedimento porque entregava o governo a Jesus Manuel de Corno, que governava infamemente; e que a ele o andavam castigando pelo não amar, o que nunca havia de fazer porquanto Cristo Senhor nosso era filho de um carpinteiro, e barqueiro de Santarém e de uma puta, a qual o fora parir a uma estrebaria pobre e humildemente; e que falsamente se dizia que a Virgem Senhora Nossa ficara Virgem depois do parto, porquanto ficara tão devassa como uma burra.”

Este depoimento é importante para conhecer o estado de espírito do réu. É evidente que ele não se finge doido. Está mesmo muitíssimo perturbado para fazer tais confidências ao seu companheiro que sabe certamente ser cristão velho. Essa perturbação não o deixa ver que se trata de um espião dos Inquisidores. Não sei como é que alguém, estudando o processo, pode concordar com os Inquisidores, escrevendo que o réu se fingiu doido.

fls. 66 – 27-8-1676 – Denunciação do Alcaide

Valentim Correia da Silva, Alcaide dos Cárceres Secretos, veio à mesa dizer que desde há seis meses, o réu “está ou se finge fora de seu juízo, e então chama pelos profetas da Lei velha, por Deus Sabaot e de Israel, e diz a palavra Adonai e outras de que agora não é particularmente lembrado, mas todas dirigidas à crença da Lei de Moisés”.

Mas, depois, o Alcaide, acaba por dizer: “Disse que, quando o dito Diogo Rodrigues Henriques disse as ditas coisas lhe parece a ele denunciante que estava em seu perfeito juízo sem causa alguma que lho perturbasse, e que a louquice, de que usava seria fingimento seu para que mais livremente as pudesse dizer”.

Mas que benefício teria ele em dizer blasfémias? Nenhum. Mas a verdade oficial estava já determinada: a loucura era fingida. É que de outra maneira, parava o processo, já não haveria condenação nem sobretudo haveria confisco.

Foi ouvida uma série de testemunhas que disseram todos o mesmo: o réu dizia disparates e blasfémias porque era judeu, mas estava em seu juízo perfeito. Alguns acrescentaram que ele era muito certinho a fazer a cama, a vestir-se a mandar roupa para ser lavada, como se isso pudesse significar que estava em juízo perfeito.

Foram ouvidos António Henriques, Agostinho da Costa, Manuel Moreira e António Gonçalves, guardas, e todos disseram que ele não tinha lesão nenhuma no juízo.

 

fls. 312 – 19-11-1681 – Novo procurador – Fr. Bento Figueira Soeiro

fls. 323 – 30-1-1682 – Reperguntadas as testemunhas

fls. 342 – 13-4-1682 – Assento da Mesa

Todos os votos excepto o de Fr. Jorge de Castro consideram o réu convicto no crime de heresia. “E muitas das mais testemunhas da justiça são de igual qualidade e todas de bom crédito; e ainda que intentem diminuí-lo a algumas delas, em que entram o dito seu irmão Francisco Rodrigues, com as largas contraditas com que veio, contudo não provou coisa concludente, antes, de muitas testemunhas por ele nomeadas e aprovadas, se convence ser falso o que alega em alguns artigos; sendo os mais deles formados por notícias de fora, pois pela corrupção do Alcaide, tem todo o trato e comunicação com seu primo, António Rodrigues Marques, e avisos dos negócios que a gente de nação pretendia em Roma, como se vê do processo apenso de fls. 1 usque ad fls. 6 . a que acrescem os depoimentos de (…) e o de Manuel de Almeida, cristão velho, seu companheiro de cárcere, das ditas palavras e blasfémias, declarando todos que para mais livremente as proferir se fingia doido (…) como herege apóstata da nossa Santa Fé Católica, convicto, negativo e pertinaz, devia ser entregue à Justiça secular, servatis servandis(…)”

fls. 344 – 13-4-1682 – Voto do Deputado fr. Jorge de Castro

Fr. Jorge de Castro (Dominicano, falecido em 21-9-1685) entendeu que, embora houvesse provas da crença de judaísmo do réu, todavia, havia que ter em conta a cláusula do Breve do Papa Inocêncio XI de 22 de Agosto de 1681, que diz: Testes quoque deponentes de indiciis remotis confessiones extraiudicialis Judaismi non probent ad effectum condemnandi negativum ad poenam ordinariam, isto é “Que as testemunhas que depõem de indícios remotos de confissão extrajudicial de judaísmo, não façam prova bastante para condenar o negativo a pena ordinária.” Este Breve tinha reposto em funcionamento a Inquisição Portuguesa, que não tinha grande disposição para seguir as recomendações dele constantes, mas pelos vistos havia um ou outro na Inquisição que lhe dava importância. O referido Deputado concluía que se deveria submeter o réu ao tormento que pudesse suportar ou então deixá-lo reservado e consultar o Papa sobre o caso dele.

fls. 346 – 21-4-1682 – Assento do Conselho Geral

“…que o réu seja relaxado à Justiça secular”.

fls. 348 – 27-4-1682 – Notificação pelo Notário de que vai ser relaxado à Justiça secular.  Nos termos do Regimento, esta notificação era feita quinze dias antes do auto da fé, o que quer dizer que nessa altura havia a intenção de o levar ao auto da fé de 10 de Maio de 1682. Só especulando podemos imaginar o que se passou.

fls. 350 – 7-7-1683 – Diligência sobre a capacidade do réu

Ouvido o Alcaide dos cárceres, André Pereira, disse que o réu é homem de bom juízo e entendimento, embora se lhe conheça ter alguma soberba; “e que outrossim no fazer da pauta se há com toda a circunstância de quem tem bom juízo, e faz a cama para dormir nela mais à sua vontade, despindo-se, vestindo-se, lavando-se e limpando-se na toalha como fazem as pessoas asseadas, e dando a sua roupa a lavar nas ocasiões que vem a lavandeira, e fazendo o rol dela com a advertência que sempre fez e de presente faz, sem mostrar lesão alguma no entendimento.

No mesmo sentido, depuseram os guardas Agostinho da Costa, António Henriques, Manuel Henriques e António Gonçalves, o médico António Ferreira e em documento por ele escrito e assinado a fls. 358 e verso, o Dr. António Mendes.

fls. 360 – 24-7-1683 – Assento da Mesa

Uma vez que o réu tem capacidade, todos os votos vão no sentido do já decidido no Assento de 13-4-1682.

fls. 362 – 24-7-1683 – Assento do Conselho Geral

O Assento do Conselho de 21-4-1684 não está alterado.

fls. 364 – 26-7-1683 – Notificação de que vai ao auto da fé de 8 de Agosto de 1683

fls. 372 – Mais provas da justiça – são as denúncias de Pedro Duarte Ferrão e de Fernão Morales Penso

fls. 375 – – 5-8-1683 - Defesa. O réu não quis defender-se nem assinar a cota do Procurador.

Despacho: “Visto como estando o Réu Diogo Rodrigues Henriques com seu Procurador para lhe formar as contraditas com que quisesse vir, não veio com elas; usando de fingimentos, e palavras desconcertadas; de que se pudesse presumir não ter capacidade para estar em juízo, e constar que a tem pelo sumário de testemunhas que se perguntaram sobre a dita capacidade, afirmando os médicos António Ferreira e António Mendes e o Alcaide dos cárceres, e quatro guardas deles que tem juízo perfeito e que o réu se finge com lesão nele, o lançamos e havemos por lançado das que com que pudera vir. Corra o processo em seus termos ordinários. Lisboa em Mesa, 5 de Agosto de 1683. a) Pedro de Ataíde de Castro a) Estêvão de Brito Foios.”

fls. 376 – 6-8-1683 – Diligência para averiguar da capacidade do réu. Interrogado o médico António Ferreira, declarou de novo que não tem lesão alguma no juízo. O mesmo declarou o Dr. António Mendes a fls. 376 v.

fls. 379 – 7-8-1683 – Assento da Mesa

“… tudo são fingimentos do réu (…)”

fls. 381 – 7-8-1683 – Assento do Conselho Geral

Mantém-se a condenação.

fls. 381 v – 6-8-1683 – Citação de mãos atadas, que se faz dois dias antes do auto da fé. Ficou com o preso o Padre Francisco Ferreira, da Companhia de Jesus.

fls. 382 – Sentença

Foi o réu presente aos Desembargadores da Relação para estes proferirem a sentença do Tribunal Criminal. Perguntaram ao réu em que Lei queria morrer, mas ele não respondeu. Se respondesse que na Lei de Cristo, seria garrotado; assim, presumiram que era na Lei de Moisés e, como profitente, mandaram que fosse queimado vivo.

fls. 391 v – Anotação da publicação da sentença no auto da fé de 8-8-1683

O processo não tem a conta de custas.

 

 

Estes processos suscitam algumas questões:

- Por que é que não foram todos incluídos no auto da fé de 10 de Maio de 1682, em que entraram apenas o Francisco, a Brites e o Pantaleão, os três reconciliados?

- Por que é que António Rodrigues Marques nunca foi incomodado pela Inquisição, nem sequer como corruptor do Alcaide Agostinho Nunes, em que era parte evidente?

- Não estaria Diogo Mogadouro completamente demente, devendo ser-lhe aplicado o disposto no Tit. XVII do Livro II do Regimento de 1640?

 

Embora especulando, atrevo-me a responder assim:

Os falecidos António Mogadouro e as filhas Branca e Violante não foram ao auto da fé, porque afinal eram processos menores, de defuntos, e não houve tempo para os tratar, já que estavam destinados à condenação, que era necessária para fazer o confisco dos bens. O auto da fé, com muita gente, foi preparado à pressa, de Setembro de 1681 até ao final de Abril de 1682.

O processo do Diogo estava pronto. Porém, estou plenamente convencido que ele estava completamente demente. Pois se ele no segundo semestre de 1676, estava de tal maneira, que blasfemava à frente de um cristão velho, sem se aperceber de que este era um espião dos Inquisidores, como é que ele estaria depois de mais seis anos na prisão? Devem ter receado que ele fizesse escândalo e deixaram-no mais um ano no cárcere, apesar de já o terem condenado muito tempo atrás. As numerosas diligências para aferir da capacidade do réu não me convencem, acho mesmo que significam o contrário do que nelas se afirma.

Quanto a António Rodrigues Marques, como vem referido em “A tormenta dos Mogadouro”, pag. 138, nota 103, teria ele um salvo-conduto passado pela Cúria de Roma, que o preservou na altura dos ataques da Inquisição. Ver sobre o assunto esta minuta de uma carta dele.

Tem também interesse reproduzir dos  “Reparos que fez um sujeito bem intencionado por ocasião do auto da fé que se celebrou em Lisboa em 10 de Maio deste ano 1682”:

9. Em que sendo presos Pantaleão Rodrigues Mogadouro e sua irmã Brites Henriques, de idade de 16 e 17 anos, saindo confessos depois de recebidos se lhe diga que foram profitentes nas sentenças e na lista. Como se compadece esta profitência com tais idades e com o estarem confessos ao tempo das sentenças? E mais tendo os sobreditos tão pouca capacidade e chegando a estar quase frenéticos e fora de si com as desesperações do cárcere? E fazem mais reparo estes sujeitos por serem da casa que os padres inquisidores tiveram e têm por parte sua na causa de recurso. Examinem-se bem estes sujeitos e ver-se-á a sua capacidade e como condiz com as suas respostas e profitências.

12. Em que não saíssem nesta ocasião alguns presos que estão no cárcere há mais de dez anos, porque, ou sejam mortos ou vivos, as suas causas, de que dependem vidas, honras e fazendas, deviam expedir-se e não deter-se por nenhum respeito, porque ou eles estão convictos ou confessos ou em termos de nem convictos nem confessos, e de qualquer modo que estejam ou se faz a eles ou à República injustiça, além das consequências que pode ter esta nova demora. E com se reparar muito em ficar Rodrigo Nuñez del Caño, José Pessoa e outros mais, se repara em Antonio Mogadouro, por ser parte no recurso e ter casa de tanto porte.

19. Em que o Sumo Pontífice deixasse julgar as causas e pessoas tocantes aos procuradores destes negócios pelos inquisidores novamente restituídos. E como estes estavam irritados contra a casa de António Rodrigues Mogadouro, que foi a principal parte no negócio do recurso, por todos os caminhos parece a quiseram e querem destruir, infamando dois filhos de profitentes, aceitando-lhes confissões indignas e sugeridas para convencer ao pai e irmão mais velho, retendo estes na prisão sem saber-se com que direito depois de dez anos e usando para os fazer confessar ou desesperar de horrendas traças, dolos e sugestões, e ainda chegando a insinuar deles coisas indignas, como que estão ou hão-de ser profitentes, e dizendo abertamente que a dita casa era sinagoga de todo este Reino. E que se oiça isto da boca dos mesmos que hão-de julgar as vidas, as honras e as fazendas desta casa?

Aparentemente, o autor do texto não sabia da morte de António Rodrigues Mogadouro e de suas duas filhas no cárcere.

 

 

TEXTOS CONSULTADOS

 

 

João Lúcio de Azevedo, História dos Cristãos Novos Portugueses, Porto, 1921

Online: www.archive.org

 

Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1640

Online: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/7/20/p267

 

António Júlio de Andrade e Fernanda Guimarães, A tormenta dos Mogadouro na Inquisição de Lisboa, col. Sefarad, Vega, 2009.

 

António Júlio de Andrade e Fernanda Guimarães, Percursos de Gaspar Lopes Pereira e Francisco Lopes Pereira, dois cristãos-novos de Mogadouro, in Cadernos de Estudos Sefarditas, n.º 5, 2005, pags. 253-297.

 

Padre António Vieira, Reflexões sobre o papel intitulado NOTÍCIAS RECÔNDITAS do modo de proceder do Santo Ofício com os seus presos, in Obras Inéditas do Padre António Vieira, vol. I, J.M.C. Seabra e T.C. Antunes, Editores, Rua dos Fanqueiros, 82, Lisboa, 1856

Online: http://books.google.com

 

João Lúcio de Azevedo, Os Jesuítas e a Inquisição em conflito no Século XVII, in Boletim de segunda classe da Academia das Ciências de Lisboa, Vol. X, 1915-1916, págs. 319-345.

Online: www.archive.org

 

José Eduardo Franco, A Companhia de Jesus e a Inquisição: afectos e desafectos entre duas instituições influentes (Séculos XVI-XVII), in Actas do Congresso Internacional Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades, Lisboa 2 a 5 de Novembro de 2005, FCSH/UNL

Online: http://cvc.instituto-camoes.pt

 

Ana Maria Homem Leal de Faria, Uma "teima": do confronto de poderes ao malogro da reforma do Tribunal do Santo Ofício - a suspensão da Inquisição Portuguesa (1674-1681), in Inquisição portuguesa: tempo, razão e circunstância, Coordenação de Luis Filipe Barreto, José Augusto Mourão, Paulo de Assunção, Ana Cristina da Costa Gomes, José Eduardo Franco, ... [et al.], Editora Prefácio, Lisboa – S. Paulo, 2007, ISBN 978-989-8022-20-2

 

Reparos que fez um sujeito bem intencionado por ocasião do auto da fé que se celebrou em Lisboa em 10 de Maio deste ano 1682, em A propósito da restauração do Tribunal do Santo Ofício em 1681, por Isaías da Rosa Pereira, Faculdade de Letras de Lisboa.

Online: https://repositorio.uac.pt/bitstream/10400.3/516/1/IsaiasRosaPereira_p225-245.pdf

 

Jorge Martins, O Senhor roubado. A Inquisição e a questão judaica, Prefácio de João Medina, Lisboa, Europress, 2002

 

Carl A. Hanson, Economy and Society in Baroque Portugal, 1668 - 1703, University of Minnesota Press, Minneapolis, 1981, ISBN 0-8166-0969-1