12-9-2006

 

Uriel da Costa

(1585 - 1640)

LINKS:

 

The Anussim of Portugal, Rabbi Leo Abrami

 

The Tragic Life of Uriel da Costa by David E. Bertão

 

Exemplar Humanae Mortis, Gabriel Albiac - Editorial Hiperion Madrid

 

José Ramón San Miguel Hevia, Uriel da Costa, el difunto hablador - El Catoblepas, n.º 45, Noviembre 2005

  

English Wikipedia

 

Wikipedia em Português

 

Omnipelagos.com

 

Elena Loewenthal, Il marrano Uriel, una vita per i «diversi», La Stampa, 2 giugno 2005

 

 

Uriel da Costa foi o emigrado judeu fugido de Portugal sobre quem mais se escreveu. Nascido entre 1580-1585 no Porto, filho de Bento da Costa Brandão, de ascendência católica e de Sara da Costa, judia cristã-nova, foi baptizado como Gabriel da Costa e educado na religião católica. Matriculou-se em Cânones na Universidade de Coimbra em 1600, e deverá ter estudado latim antes algures, porque foi obrigado a prestar provas dessa língua antes de ser admitido. No final de 1601, interrompe os estudos e regressa ao Porto, possivelmente por causa da peste. No ano lectivo de 1604/1605 volta a Coimbra para prosseguir os estudos. Efectuou mais duas matrículas nos anos seguintes, concluiu diversas cadeiras, mas  em Junho de 1608 abandonou os estudos e não concluiu o curso. Entretanto, seu pai falecera em 20 de Maio de 1608. Gabriel da Costa é chefe da família, como irmão mais velho. Em Agosto de 1609 foi nomeado Tesoureiro da Colegiada de S. Martinho de Cedofeita. Casou em 5 de Março de 1612.

Começou a ter dúvidas em matéria religiosa, de tal modo que decide converter-se ao Judaísmo. Para isso, concebe o plano de emigrar com a família para a Holanda. Resigna o benefício eclesiástico a favor de outrém. Consegue vender a casa paterna e realizar a fortuna da família. Emigra, embarcando num navio holandês, com a mãe, sua mulher, três irmãos e uma cunhada. Chegam a Amsterdão em Abril de 1615. Os homens são circuncidados. Passa a chamar-se Uriel da Costa, embora nos neócios use também os nomes de Adam Romez e Uriel Abadot. Por motivos de negócios, parte para Hamburgo. Pouco a pouco, afasta-se do judaismo, entrando em conflito com os Rabinos. Data dessa altura (1616) o primeiro escrito “Propostas contra a tradição” que estará na origem de uma excomunhão grave (Herem ou Cherem em oposição a pequena excomunhão – Nidui) em Veneza. Em 1618 é excomungado em Hamburgo. A certa altura regressa a Amsterdão.

Em 29 de Dezembro de 1622, fica viúvo.

Em 15 de Maio de 1623, reuniram-se as três congregações luso-judaicas em Amsterdão para o condenar e deram o veredicto seguinte:

 

“ Os senhores Deputados da nação fazem saber a Vossas Mercês como tendo notícia que era vindo a esta Cidade um homem que se pôs por nome de Uriel Abadot. E que trazia muitas opiniões erradas, falsas e heréticas contra nossa santíssima lei pelas quais já em Hamburgo e Veneza foi declarado por herege e excomungado e desejando reduzi-lo à verdade fizeram todas as diligências necessárias por vezes com toda a suavidade e brandura por meio do Hahamim e Velhos da nossa nação, a que ditos senhores deputados se acharam presentes. E vendo que por pura pertinácia e arrogância persiste em sua maldade e falsas opiniões ordenam com os Mahamadot dos echilot. E cós de ditos hahamim apartá-lo como homem já enhermado, e maldito da Lei de Dio, e que não lhe fale pessoa alguma de nenhuma qualidade, nem homem nem mulher, nem parente nem estranho, nem entre na casa onde estiver, nem lhe dêem favor algum, nem o comuniquem com pena de ser compreendido no mesmo herem e de ser apartado da nossa comunicação. E a seus Irmãos por bons respeitos se concedeu termo de oito dias para se apartarem dele. Amsterdão, 30 del homer 5383 (15 de Maio de 1623). (aa) Samuel Abarvanel, Birhamin Israel, Abraham Curiel, Joseph Abenacar, Rafael Jesurum, Jacob Franco”. (De “Três escritos”).

 

Os irmãos abandonam-no. A mãe permanece ao pé do filho e é excomungada por esse facto.

Uriel reage escrevendo o Exame das tradições farisaicas. Alguém comunica o conteúdo do livro, ainda antes de ser publicado, a Samuel da Silva, um médico judeu português residente em Amsterdão. Este antecipa-se e publica uma refutação que inclui a transcrição dos capítulos 23.º a 25.º do Exame: Tratado da immortalidade da alma, composto pelo Doutor Semuel da Silva, em que também se mostra a ignorância de certo contrariador do nosso tempo que entre outros muytos erros deu neste delírio de ter para si e publicar que a alma do homem acaba juntamente com o corpo, Amsterdam, 1623, por Paulo de Ravesteyn.

A primeira redacção do Exame das tradições farisaicas perdeu-se, conservando-se apenas os capítulos transcritos por Samuel da Silva.

Uriel da Costa alterou a forma e redigiu segunda vez o Exame das tradiçoens pharisaicas conferidas com a Ley, escrito por Uriel Jurista, Hebreo, com resposta a um Semuel da Silva, seu falso caluniador, publicado provavelmente pelo mesmo impressor, em 1624. Esta obra deve considerar-se perdida.

As autoridades judaicas acusaram junto do Tribunal holandês Uriel da Costa, que é preso. É solto em 11 de Maio de 1624, por seus irmãos Miguel (Mordecai) e João (Joseph) que pagaram a fiança e a multa. Eis um documento sobre o caso, citado pelo Prof. Mendes dos Remédios: “ Uriel da Costa, aliás Adam Romez foi posto em liberdade pelo tribunal da cidade sob a condição e a promessa de comparecer em pessoa no tribunal todos os dias em que for chamado pelos Senhores Officiaes, e de se submeter a julgamento. Prestaram caução Micael Esteves de Pina, Juan Perez da Cunia promettendo, na falta de comparência dele, citado Uriel da Costa, pagar em proveito deles, Senhores Officiaes, 1 200 Fl. Acta 11 de Maio de 1621. Jacob Pietersz Hooghcamer e Claves Pietersz, officiaes”. (Deve haver erro na data que deve ser 1624).

Os livros de Uriel da Costa são queimados e recebe ordem para abandonar Amsterdão.

A 4 de Outubro de 1628, morre sua mãe, Sara da Costa, que é enterrada no cemitério Judeu de Ouderkerk, próximo de Amsterdão.

Embora desiludido com a religião judaica, decide reconciliar-se com os Rabinos. Vive com um sobrinho, filho de sua irmã. Decide contrair novo matrimónio. O seu sobrinho acusa-o de violar as leis da boca. É excomungado de novo. Desiste de novo e solicita a reconciliação com os Rabinos, prometendo submeter-se à penitência que eles decretarem. É fustigado na Sinagoga e calcado aos pés de todos.

Suicida-se com um tiro em Abril de 1640, tendo ao seu lado a sua autobiografia, que escreveu em latim com o título Exemplar Humanae Vitae, transcrita aqui, na tradução de Epifânio da Silva Dias (1901).

O texto foi publicado a primeira vez por Philippe van Limborch, a seguir ao seu De veritate religionis christianae: Amica collatio cum erudito Judaeo, impresso em Gondae, por Justo de Hoeve, em 1687. No mesmo livro van Limborch juntou-lhe uma Brevis refutatio argumentorum quibus Acosta omnem Religionem revelatam impugnat.

O drama de Uriel da Costa foi amplamente divulgado por escritores, artistas e compositores que tenderam a idealizá-lo como vítima do obscurantismo e da intolerância. O escritor dramático Alemão Karl Ferdinand Gutzkow, um amigo de Heine, escreveu duas obras sobre o tema: primeiro Der Sadduzaeer von Amsterdam (1834) uma novela, e depois uma tragédia em cinco actos Uriel Acosta (1847). A heróica interpretação por Gutzkow da filosofia sefaradita, influenciou muitas obras posteriores.  De salientar entre estas, obras musicais, como Uriel Acosta, uma ópera da compositora russa Valentina Serova, que teve a sua estreia em Moscovo em 1885.  Todas as composições posteriores puseram em música o drama de Gutzkow, em especial para a versão Hebraica pela companhia Habimah: a partitura de Jacob Weinberg (1921) ficou por publicar, mas a de Karol Rathaus para a produção da Habimah em Berlim em 1930, conseguiu relevância no reportório musical (Encyclopaedia Judaica).

 

 

Textos consultados:

 

 

Manuela Nunes, Judeus Portugueses no Imaginário Alemão, Coimbra, CIEG, 2006, 178 páginas, ISBN: 989- 8007-00-1

 

“Uriel da Costa”, in Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica : na qual se comprehende a noticia dos authores portuguezes, e das obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça até ao tempo presente, por Diogo Barbosa Machado (1682-1772), 4 vols., 1741, transcrito aqui.

 

Carolina Michaelis de Vasconcellos, Uriel da Costa: notas relativas à sua vida e às suas obras. Sep. da Revista da Univ. de Coimbra, 1922, Coimbra : Imp. Universidade, 180 págs.

 

J. Mendes dos Remédios, Os judeus portugueses em Amsterdam, F. França Amado, Coimbra, 1911, 218 págs.

 

Uriel da Costa, Espelho da vida humana, versão de A. Epiphanio da Silva Dias

Lisboa, Impr. Lucas, 1901, 36 págs.

 

Uriel da Costa, Une vie humaine, traduit du latin et précédé d'une étude sur l'auteur par A.-B. Duff et Pierre Kaan, F. Rieder et C.e, Paris, 1926

Online: http://sammlungen.ub.uni-frankfurt.de/urn/urn:nbn:de:hebis:30-180014792031

 

Uriel da Costa, Três escritos, pref. de Artur Beleza Moreira de Sá, Lisboa, Inst. de Alta Cultura, 1963, 69 págs.

  

Uriel da Costa, Exame das tradições farisaicas, acrescentado com Tratado da imortalidade da alma, Samuel da Silva, introd., leitura, not. e cartas genealógicas por H. P. Salomon, I.S.D. Sassoon, Braga, APPACDM, 1995, ISBN 972-8195-36-2

 

Karl Gutzkow, 1811-1878 - Uriel Acosta: a tragedy in five acts, by Karl Gutzkow. Translated from the German by M.M. , 104 p. ; New York : M. Ellinger &​ Co., 1860

 

A. de Magalhães Basto, Alguns documentos inéditos sobre Uriel da Costa, Coimbra, Imp. da Universidade, in O Instituto, Vol. 79, 1930, pag. 1-20.

Online: http://bdigital.sib.uc.pt/institutocoimbra/UCBG-A-24-37a41_v079/UCBG-A-24-37a41_v079_item1/UCBG-A-24-37a41_v079.pdf

 

A. de Magalhães Basto, Novo documento inédito sobre Uriel da Costa, Coimbra, Impr. da Universidade, in O Instituto, Vol. 79, 1930, pag. 442-454.

Online: http://bdigital.sib.uc.pt/institutocoimbra/UCBG-A-24-37a41_v079/UCBG-A-24-37a41_v079_item1/UCBG-A-24-37a41_v079.pdf

 

Anónimo, Memórias para ajuntar à vida de Uriel da Costa, in Miscellanea curiosa e proveitosa ou Compilação tirada das melhoras obras das Nações estrangeiras, traduzida e ordenada por *** C.I., Tomo III, Lisboa, na Typographia Rollandiana, 1791, pags. 153 a 161.

Online: http://books.google.com

 

Philippe van Limborch, De veritate Religionis Christianae Amica Collatio cum Erudito Judaeo, Basilea, apud Joh. Rudolph Im-Hoff, 1740, Texto: 692 págs. Indices: 28 págs.

 

Jean Pierre Osier, De Uriel da Costa a Spinoza, Berg International, Paris, 1983, ISBN 2-900269-31-8

 

Miriam Bodian, Hebrews of the Portuguese Nation, Conversos and Community in Early Modern Amsterdam, Indiana University Press, Bloomington – Indianapolis, 1997, ISBN 0-253-21351-7

 

Uriel da Costa (1585 – 1640) , in Encyclopaedia Judaica, , Keter Publishing House. Ltd., Jerusalem, 1971