4-8-2001
William Shakespeare
(1564-1616)
SONETOS
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 XV 1    
      When I consider everything that grows 
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       15 
 Se considero tudo quanto
      cresce E a perfeição atinge um só
      momento, Que cada cena que este palco
      oferece Dos astros tem secreto
      assentimento; Que cada homem medra como
      planta P’lo mesmo céu amado e
      repelido, Na seiva juvenil se agiganta, E do cume declina, em breve
      olvido: A ideia deste estado sempre vário Traz-te a meus olhos, rico em
      juventude Em quanto à ruína o templo
      perdulário Disputa que o teu dia em noite
      mude: Co’o
      tempo em guerra por amor de ti, O
      que el’ te rouba, eu reenxerto aqui.  . . . . . 
 
 
 
 
 
 
 
 
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 XVIII 1
          Shall I compare thee to a summer's day?  | 
    
            18   A um dia estivo te hei-de
      comparar? És mais formosa tu, mais
      delicada! Pode os botões de Maio
      fustigar Um vento e dura o Estio quase
      nada. O olho do céu até ao rubro
      aquece Ou é a sua tez dourada
      obscurecida E no belo a beleza desvanece P’lo acaso ou curso natural
      despida. O teu Verão, porém, perdurará, Não perderás jamais o teu
      encanto Nem de lhe errares a sombra
      troçará A morte, o tempo venças no
      meu canto. Enquanto
      homem respire ou possa ver Vivos,
      meus versos far-te-ão viver. 
 
 
 
 
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       XXIX  | 
    
       
      29 Quando, de mal co’os homens
      e a Fortuna, Sozinho choro o meu banido
      estado E o surdo céu meu queixume
      importuna E olho p’ra mim e amaldiçoo
      o fado, Um outro, mais audaz, sonhando
      ser, E ter dele os amigos e o
      jeito, Doutros querendo a arte ou o
      poder, Com o que mais me agrada
      contrafeito, Se então, a mim quase me
      desprezando,  Por f’liz acaso penso em ti,
      todo eu, Como a calhandra da manhã,
      cantando, Da terra escura ascendo até
      ao céu. Tem
      teu amor lembrado tal valia Que
      nem com reis de estado trocaria. 
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 LX 1
          Like as the waves make towards the pebbl'd
      shore, 
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   Quais ondas aos calhaus da
      praia dando, Nossos minutos para o fim se
      apressam; O que o precede, todos
      relegando,  Em luta, p’ra diante se
      arremessam. Ao mundo dados, p’rá
      maturidade Nos arrastamos; coroados dela,
       Barram-lhe eclipses ruins a
      majestade E o Tempo a própria dádiva
      atropela. Gela o tempo o fulgor da
      juventude, De sulcos enche a fronte da
      beleza, Sustenta-se do que acha a
      plenitude, Tudo o que existe a sua foice
      preza. Cantando-te
      meus versos ficarão Porém,
      malgrado a sua crua mão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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      76 Por que é tão nu meu verso de ornamento, Tão alheio a mudanças, variações? Por que das modas vou tão
      desatento, Nos usos, singulares combinações? Por que um só tema tenho na
      ideia, E dou à invenção velha
      roupagem, Onde cada palavra me nomeia, Mostrando o nascimento e a
      linhagem? Saiba-lo amor: só sobre ti
      escrevo, És-me tu, e o amor, motivo
      infindo: E é remoçar palavras meu
      enlevo, O que está gasto ainda
      consumindo; Como
      o sol novo e velho é cada dia Assim
      do amor eu digo o que dizia.    | 
  
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       LXXXVII  | 
    
         
 Adeus, demais a tua posse pesa E teu valor de ti é
      conhecido. Liberta-te tua carta de
      nobreza; Meu vínculo a ti eis
      dissolvido. Não é eu ter-te tua concessão? Mereço porventura tanto bem? Motivo me faltando p’ra tal
      dom O meu direito pois a ti revém. Foi teu valor ao dares-te
      descurado, Quem sabe se por outro me
      tomando; Teu dom, pois, no engano
      alimentado, A casa torna, hoje melhor
      julgando. Num
      sonho adulador tive-te assim: Dormindo,
      rei; eu só, voltando a mim.   
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       XCIV 
 1
          They that have power to hurt and will do
      none,  | 
    
       94 Os que, podendo f’rir, disso
      abdicam,  Que ao agir retêm seus
      intentos, E que de pedra, outros
      movendo, ficam, Perante a tentação contidos,
      lentos – Dos céus herdam deveras os
      favores, A natureza usando com prudência; São da sua face donos e
      senhores,  Os outros, servos de sua excelência. De olor, enche o Verão a flor
      estiva Que apenas vive e morre, em si
      tomada; Porém, a vil contágio,
      receptiva, P’la erva mais ruim é
      suplantada. Acto
      venal o que é nobre envilece, Pior
      que erva má é lírio que apodrece.   
 
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       CIX  | 
    
       
 109   
 Se a chama declinar parecia,
      ausente, Meu coração, ah, falso nunca
      digas. De mim partira eu tão
      facilmente Como da alma, qu’em teu seio
      abrigas; Lá vive o meu amor. Se hei
      vagueado Como o viajante, a casa
      regressando A tempo, pelo tempo,
      inalterado, A minha mancha eu próprio vou
      lavando. Não creias nunca, mesmo que
      reinasse Em mim toda a fraqueza que
      entretém O sangue que, insensato, me
      manchasse Dando por nada a soma do teu
      bem. No
      vasto mundo nada mais saúdo Salvo
      tu, rosa minha; nele, és tudo!   
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       CXXI  | 
    
       
 121   Antes ser vil do que por vil
      havido Quando o não ser de sê-lo é
      censurado E o são prazer se perde,
      envilecido, P’lo que sentimos não, no
      olhar sesgado. Por que há-de um outro falso
      olhar venal Cumpliciar com o meu sangue
      ardente? Ou na fraqueza, espião que
      menos vale, Turvar, maldoso, o bem da
      minha mente? Eu sou quem sou, e esses que
      me arquivam Os erros os seus próprios
      apuram. Seja eu recto, que de través
      vivam, Seus pensares vis meus actos não
      figuram – A
      menos que este mal seja verdade: Ruins,
      os homens reinam na maldade.   
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 CXXIX 
 1
          Th' expense of spirit in a waste of shame 
 
 
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 129   Do espírito estroinice
      desonrosa É a luxúria agindo, até à
      acção Perjura, sanguinária,
      culposa, Selvagem, crua, afoita na traição; E apenas fruída, desprezada, Num desvario perseguida e,
      tida, Num desvario como isca odiada P’ra enlouquecer a presa
      concebida; Buscando louca, ao possuir
      revel Extrema no que teve, tem e caça; Um deleite ao provar, provada,
      fel; Gozo, antevista; sonho, assim
      que passa. Sabe
      isto o mundo, mas consegue alguém ‘Squivar
      o céu que inferno tal devém?   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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 CXXX 
 1
          My mistress' eyes are nothing like the sun; 
 
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 130   Ao sol o olhar da minha amada
      deve; É-lhe o coral que os lábios
      mais belo. Os seios pardos tem, se é
      alva a neve; E negro arame lembra o seu
      cabelo. Vermelhas, brancas, damascadas
      rosas, Já vi, que não revejo ao
      contemplá-la. E de essências sei mais
      deleitosas Que o hálito que a minha
      amada exala. Gosto de ouvir-lhe a voz, sem
      ignorar Que a música ao ouvido mais
      apraz. Jamais vi, juro, deusa
      caminhar: Pisando o chão, a minha amada
      o faz. Mas
      pelos céus, eu acho-a tão rara Como
      as demais que, inchando, falseara.     
 
 
 
 
 
 
 
 
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       CXLVII  | 
    
       
 147   É febre, o meu amor, sempre
      anelando,  O que mais a doença lhe
      acalenta, Do que seu mal mantém se
      alimentando,  P’rá fome saciar que o
      turva e tenta. E deste amor, o médico, a razão, Irada de esquivar sua receita, Deixou-me e agora o vejo na
      aflição: Mata o ardor que o remédio
      enjeita. Sem cura estou, da razão
      descurado, E doido num eterno desnorteio. Meus pensamentos, falas,
      aluado, Exprimo à toa, da verdade
      alheio. Pois
      clara te pensei, jurei-te pura, E és
      como o inferno negra e a noite escura.   
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(Tradução de Jorge
Vilhena Mesquita)