6-11-2002

 

MARIA ISABEL MOURA

(N.  1955)

 

 

 

Maria Isabel Moura nasceu na Covilhã, em 1955, continuando hoje a viver no norte do pais, onde trabalha. É autora do livro Vinte Maneiras Diferentes de Contar a Mesma História, que ganhou em 1998 o Prémio Manuel da Fonseca. Colabora também em vários jornais. Todo o Começo É Involuntário, o seu novo livro, é um romance erótico que foge ao tom comum na literatura portuguesa. Provavelmente, deve-se a isso o enorme silêncio feito à roda deste livro. Sobretudo porque é escrito por uma mulher.

 

 

 

1-9-2002

MARIA TERESA HORTA


Maria Isabel Moura publicou "Todo o Começo É Involuntário" (pela Teorema) um romance altamente erótico, que contraria a tradição desde sempre sexualmente morna e até moralista da literatura portuguesa.


Maria Isabel Moura, Todo Começo é Involuntário. Prefácio de Urbano Tavares Rodrigues, Colecção Canto Nono, Editorial Teorema, Lisboa, 2001, 163 pág.  ISBN 972-695-438-X


Este seu livro é um desafio ou uma provocação?

É as duas coisas: foi um desafio em relação a mim e uma provocação em relação aos outros.

Porquê um desafio para si?

Porque acho que a escrita erótica é muito difícil. De modo que quis testar as garras. Queria também ver se conseguia escrever um livro erótico que fosse coerente, do princípio ao fim.

E porquê a provocação?

Penso que este país está a precisar muito de ser provocado.

Tem consciência que este romance pode vir a marcar para sempre a sua obra?

Sei que pode, pois o erotismo ainda é considerado como a besta negra da literatura.

É um livro incómodo?

Espero muito bem que sim.

E descarado?

Eu acho que é um livro vivido, porque muito real. Algures haverá uma mulher assim.

Vivido mas não autobiográfico?

Vivido porque, como lhe digo, algures há alguém que poderá passar por um período assim, de loucura, tal como a descrevo: Tudo o que nunca teve. As pessoas tendem a procurar os seus limites.

Portanto, é um livro obsessivo?

Bastante obsessivo, sem dúvida.

Tanto na sua história como nas suas fantasias?

Sim, porque tentei correr as fantasias masculinas todas. Ou pelo menos tentei correr as obsessões masculinas uma por uma.

Então, quem é que neste romance se sentirá mais retratado?

Suponho que ao ler o meu romance quem se sentirá mais retratado serão os homens. Se bem que eles digam que não, que não se encontram em lugar nenhum deste livro.

Porque se sentem ridicularizados?

Creio porque quando chegam ao fim descobrem que as fantasias que fizeram ao longo de todo o livro estavam erradas.

Considera este seu romance, erótico, ou acha que já poderá ser visto como pornográfico?

Para mim ele é erótico, mas suponho que deve haver pessoas que o consideram profundamente pornográfico. Depende muito do conceito de erotismo, do conceito de sexualidade que se tenha.

Portanto, a fronteira muito ténue que separa o erotismo da pornografia encontra-se, quanto a si, naquele que lê e não naquele que escreve?

Eu creio que sim, a maior parte das vezes.

Logo, terá a ver sobretudo com moralismo.

De que maneira: Estamos num pais católico, cheio de preconceitos, de medos, de tabus, de interdições moralistas.

Escrever na província, tal como acontece consigo, um livro como este, não poderá ser muito penalizante?

Talvez, vamos andando e vamos vendo. No entanto, também acontece que este país está um bocado murcho, e normalmente as revoluções culturais começam na província. Então, não irei ser penalizada, ou irei ser penalizada na capital.

Porque é que as mulheres da escrita erótica continuam a ser malvistas?

Porque ainda se olha para as mulheres, sobretudo enquanto as santas, as mães, as que não cometem pecados, que não têm pensamentos impuros, que não se interessam pela sexualidade.

As que estão longe dos prazeres da vida?

Claro. Quando, pelo contrário, elas estão até, desde sempre, mais preparadas para receber todos os lados da vida, com o prazer e com a dor. Normalmente elas são mais fortes, mas ao mesmo tempo mais frágeis, deixando-se amarfanhar com mais facilidade. E tudo isto tem a ver, sem dúvida, com a forma como têm vindo a ser educadas. É tudo uma questão de mentalidades.

Foi para contestar tudo isso que escreveu um livro como este?

Na verdade escrevi para ver se conseguia manter-me na fronteira entre a pornografia e o erotismo.

Balançando perigosamente?

Qualquer livro erótico tem de estar balançando perigosamente entre uma e a outra fronteira, senão não é um livro erótico.

Mas esta sua história junta muito o prazer à dor. Isso não é um fantasma masculino?

Creio que sim. Mas eu escrevi esta história tentando pôr nela, precisamente, o olhar masculino.

Por outro lado não existe, também, o olhar masoquista, dito feminino?

Existe, porque eu pretendi dar coerência à personagem. E acho que uma mulher que passou a vida toda a viver a vida alheia e não a sua, tem que, obrigatoriamente, ser masoquista.

Ela é alguém copiada de um quotidiano perto do seu?

Não, não é uma mulher que eu conheça, não é ninguém tirado da vida real. Não copiei, inventei.

Sente-se mais perto, literariamente, do Henry Miller ou da Anas Nin?

A Anas Nin é mais poética e eu espero ter posto neste livro alguma poesia, portanto sinto-me mais perto da Anas Nin.

O que foi que pretendeu provar com este romance?

Que o impulso sexual é tão normal como o impulso de comer e de beber. Se não se comer morre-se de fome. Se se proíbe o impulso sexual pode-se enlouquecer.

Não acha que este é um livro cruel?

Sim, penso que pode ser visto como um livro cruel. Mas toda a minha escrita tem sempre algo de cruel.

Porquê essa recorrência à crueldade, à voracidade?

Porque a vida é cruel. E às vezes vamos encontrar crueldade nas pessoas mais inesperadas. Nas pessoas com o ar mais enganadoramente sereno.

Naquelas que mais amamos?

Também, e isso é ainda mais dramático quando acontece. Quando é a avozinha a cometer o crime.

Porque se fez um silêncio tão grande em torno deste seu romance, enquanto se exaltou tanto o livro igualmente erótico de Catherine Millet?

Porque neste país sempre se exaltou o que vem de fora, do estrangeiro, e se tentou ignorar o que vem de dentro. E também porque o livro de Catherine Millet traz um espantoso marketing atrás.

E também porque o seu romance é muito desobediente?

Se fosse por isso gostaria que tivesse dado mais barulho.

Foi preciso coragem para escrever este livro?

Não, foi muito divertido.