10-4-2001

 

 

 

 

 

 

 

ANTÓNIO ALEIXO

 

(1899 - 1949)

 

 

 

QUADRAS POPULARES

 

 

 

 

 

 

Forçam-me, mesmo velhote,
de vez em quando, a beijar
a mão que brande o chicote
que tanto me faz penar.

 

 

 

 

 

Porque o mundo me empurrou,
caí na lama, e então
tomei-lhe a cor, mas não sou
a lama que muitos são.

 

Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.

 

 

 

 

À guerra não ligues meia,
porque alguns grandes da terra,
vendo a guerra em terra alheia,
não querem que acabe a guerra

 

 

Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.

 

 

 

 

 

 

Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão?

 

P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.

 

 

 

 

 

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.

 

Enquanto o homem pensar
que vale mais que outro homem,
são como os cães a ladrar,
não deixam comer, nem comem.

 

 

 

 

 

Eu já não sei o que faça
p'ra juntar algum dinheiro;
se se vendesse a desgraça
já hoje eu era banqueiro.

A vida na grande terra    
corrompe a humanidade.  
Entre a cidade e a serra  
prefiro a serra à cidade.

 

 

 

 

 

O mundo só pode ser   

melhor do que até aqui,

- quando consigas fazer
mais p'los outros que por ti!

 

Eu não sei porque razão  

certos homens, a meu ver,

quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.  

 

 

 

 

 

Bate a fome à porta deles   

e é lá mais mal recebida

do que na casa daqueles
que a sofreram toda a vida.  

 

Uma mosca sem valor  

poisa, c'o a mesma alegria,

na careca de um doutor

como em qualquer porcaria.

 

 

 

 

 

Para não fazeres ofensas  

e teres dias felizes,

não digas tudo o que pensas,

mas pensa tudo o que dizes.

 

Num arranco de loucura,   

filha desta confusão,

vai todo o mundo à procura
daquilo que tem à mão.

 

 

 

 

 

Vinho que vai para vinagre   

não retrocede o caminho;

só por obra de milagre,

pode de novo ser vinho.

 

Entre leigos ou letrados,  

fala só de vez em quando,

que nós, às vezes, calados,
dizemos mais que falando.

 

 

 

 

 

Eu não tenho vistas largas,   

nem grande sabedoria,

mas dão-me as horas amargas

lições de filosofia.

 

Quando te vês mal, e dizes  

que preferias a morte,

pensa que outros menos felizes
invejam a tua sorte. 

 

 

 

 

Mentiu com habilidade,  

fez quantas mentiras quis;

agora fala verdade

ninguém crê no que ele diz.

 

 

Tem a música o poder   

de tornar o homem feliz;

nem há quem saiba dizer

tanto quanto ela nos diz.

 

 

 

 

 

Quando os homens se convençam   

que a força nada faz,

serão felizes os que pensam

num mundo de amor e paz.

 

Gosto do preto no branco,   

como costumam dizer:

antes perder por ser franco

que ganhar por não ser.

 

 

 

 

Não sou esperto nem bruto,  

nem bem nem mal educado:

sou simplesmente o produto

do meio em que fui criado.

 

 

Queremos ver sempre à distância   

o que não está descoberto,

Sem ligarmos importância

ao que está à vista e perto.

 

 

 

 

 

Porque será que nós temos   

na frente, aos montes, aos molhos,

tantas coisas que não vemos

nem mesmo perto dos olhos?

 

Sei que umas quadras são conselhos  
que vos dou de boa fé;   

outras são finos espelhos

onde o leitor vê quem é.

 

 

 

 

 

Vemos gente bem vestida,  

no aspecto desassombrada;

são tudo ilusões da vida,

tudo é miséria dourada.

 

Quantas sedas aí vão,   

quantos colarinhos,

são pedacinhos de pão

roubados aos pobrezinhos!

 

 

 

 

 

Julgam-me mui sabedor;   

e é tão grande o meu saber

que desconheço o valor

das quadras que sei fazer.

 

Quando não tenhas à mão   

outro livro mais distinto,

lê estes versos que são

filhos da mágoa que sinto.

 

 

 

 

 

 

Peço às altas competências
Perdão, porque mal sei ler,
P’ra aquelas deficiências
Que os meus versos possam ter.

 

Quando não tenhas à mão
Outro livro mais distinto,
Lê estes versos que são
Filhos das mágoas que sinto.

 

 

 

 

 

Julgam-me mui sabedor
E é tão grande o meu saber
Que desconheço o valor
Das quadras que sei fazer!

 

Quem nada tem, nada come;
e ao pé de quem tem de comer,
se alguém disser que tem fome,
comete um crime, sem querer

 

 

 

 

 

A quadra tem pouco espaço
Mas eu fico satisfeito
Quando numa quadra faço
Alguma coisa com jeito

 

Nada direi, mas, enfim,
Vou ter a grande alegria
De a Arte dizer por mim
Tudo quanto eu vos diria

 

 

 

 

 

Nos versos que se improvisem,
Os poetas sabem ler,
Para além do que eles dizem,
Tudo o que querem dizer

 

Falemos sinceramente,
Como p'ra nós mesmos, a sós;
Lá longe de toda a gente,
Do mundo, e até de nós

 

 

 

 

 

Após um dia tristonho
de mágoas e agonias
vem outro alegre e risonho:
são assim todos os dias

 

Mentiu com habilidade,
fez quantas mentiras quis;
agora fala verdade,
ninguém crê no que ele diz

 

 

 

 

 

São parvos, não rias deles,
deixa-os ser, que não são sós;
às vezes rimos daqueles
que valem mais do que nós

 

Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande,
Façam das mil pequeninas
Uma só doutrina grande.

 

 

 

 

 

Quando os Homens se convençam
Que à força nada se faz,
Serão f’lizes os que pensam
Num mundo de amor e paz.

 

A arte em nós se revela
Sempre de forma diferente:
Cai no papel ou na tela
Conforme o artista sente

 

 

 

 

 

Quem prende a água que corre
É por si próprio enganado;
O ribeirinho não morre,
Vai correr por outro lado.

 

Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do mundo,
O que importa é que eles sejam
O que os Homens são no fundo.

 

 

 

 

 

Julgando um dever cumprir,
Sem descer no meu critério,
- Digo verdades a rir
Aos que me mentem a sério!

 

Que importa perder a vida
na luta contra a traição
se a razão mesmo vencida
não deixa de ser razão