23-8-2000
POEMAS:
Não quero ser o último a comer-te
A castidade com que abria as coxas
Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
A carne é triste depois da felação
Sob o chuveiro amar, sabão e beijos
Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas
O chão é cama para o amor urgente
(O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)
É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pênis.
Ai, cama canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme onça suçuarana,
dorme cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima...O pênis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.
E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda úmidos de sêmen,
estes segredos de cama.
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 Visu, colloquio Contactu, basio Frui virgo dederat; Sed aberat Linea posterior Et melior Amori. Carmina Burana  | 
      
A moça mostrava a coxa,
a moça mostrava a nádega,
só não mostrava aquilo-
concha, berilo, esmeralda -
que se entreabre, quatrifólio,
e encerrra o gozo mais lauto,
aquela zona hiperbórea,
misto de mel e de asfalto,
porta hermética nos gonzos
de zonzos sentidos presos,
ara sem sangue de ofícios,
a moça não me mostrava.
E torturando-me, e virgem
no desvairado recato
que sucedia de chofre
á visão dos seios claros,
qua pulcra rosa preta
como que se enovelava,
crespa, intata, inacessível,
abre-que-fecha-que-foge,
e a fêmea, rindo, negava
o que eu tanto lhe pedia,
o que devia ser dado
e mais que dado, comido.
Ai, que a moça me matava
tornando-me assim a vida
esperança consumida
no que, sombrio, faiscava.
Roçava-lhe a perna. Os dedos
descobriam-lhe segredos
lentos, curvos, animais,
porém o maximo arcano,
o todo esquivo, noturno,
a tríplice chave de urna,
essa a louca sonegava,
não me daria nem nada.
Antes nunca me acenasse.
Viver não tinha propósito,
andar perdera o sentido,
o tempo não desatava
nem vinha a morte render-me
ao luzir da estrela-d'alva,
que nessa hora já primeira,
violento, subia o enjoo
de fera presa no Zôo.
Como lhe sabia a pele,
em seu côncavo e convexo,
em seu poro, em seu dourado
pêlo de ventre! mas sexo
era segredo de Estado.
Como a carne lhe sabia
a campo frio, orvalhado,
onde uma cobra desperta
vai traçando seu desenho
num frêmito, lado a lado!
Mas que perfume teria
a gruta invisa? que visgo,
que estreitura, que doçume,
que linha prístina, pura,
me chamava, me fugia?
Tudo a bela me ofertava,
e que eu beijasse ou mordesse,
fizesse sangue: fazia.
Mas seu púbis recusava.
Na noite acesa, no dia,
sua coxa se cerrava.
Na praia, na ventania,
quando mais eu insistia,
sua coxa se apertava.
Na mais erma hospedaria
fechada por dentro a aldrava,
sua coxa se selava,
se encerrava, se salvava,
e quem disse que eu podia
fazer dela minha escrava?
De tanto esperar, porfia
sem vislumbre de vitória,
já seu corpo se delia,
já se empana sua glória,
já sou diverso daquele
que por dentro se rasgava,
e não sei agora ao certo
se minha sede mais brava
era nela que pousava.
Outras fontes, outras fomes,
outros flancos: vasto mundo,
e o esquecimento no fundo.
Talvez que a moça hoje em dia...
Talvez. O certo é que nunca.
E se tanto se furtara
com tais fugas e arabescos
e tão surda teimosia,
por que hoje se abriria?
Por que viria ofertar-me
quando a noite já vai fria,
sua nívea rosa preta
nunca por mim visitada,
inacessível naveta?
Ou nem teria naveta...
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gémeas
em rotundo meneio. Anda por
sina cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda
Não quero ser o último a
comer-te.
Se em tempo não ousei,
agora é tarde.
Nem sopra a flama antiga
nem beber-te
aplacaria sede que não arde
em minha boca seca de
querer-te,
de desejar-te tanto e sem
alarde,
fome que não sofria
padecer-te
assim pasto de tantos, e eu
covarde
a esperar que limpasses
toda a gala
que por teu corpo e alma
ainda resvala,
e chegasses, intata,
renascida,
para travar comigo a luta
extrema
que fizesse de toda a nossa
vida
um chamejante, universal
poema.
Para o sexo a expirar, eu me volto, expirante.
Raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo.
Amor, amor, amor - o braseiro radiante
que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.
Pobre carne senil, vibrando insatisfeita,
a minha se rebela ante a morte anunciada.
Quero sempre invadir essa vereda estreita
onde o gozo maior me propicia a amada.
Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo, quem sabe?
enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer
antes que, deliciosa, a exploração acabe.
Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo,
e assim possa eu partir, em plenitude o ser,
de sémen aljofrando o irreparável ermo.
A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos.
No corpo feminino, esse retiro
- a doce bunda - é ainda o que prefiro.
A ela, meu mais íntimo suspiro,
pois tanto mais a apalpo quanto a miro.
Que tanto mais a quero, se me firo
em unhas protestantes, e respiro
a brisa dos planetas, no seu giro
lento, violento... Então, se ponho e tiro
a mão em concha - a mão, sábio papiro,
iluminando o gozo, qual lampiro,
ou se, dessedentado, já me estiro,
me penso, me restauro, me confiro,
o sentimento da morte eis que o adquiro:
de rola, a bunda torna-se vampiro.
  
  Amor – pois que é 
  palavra essencial comece
  esta canção e toda a envolva.
  Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
  reúna alma e desejo, membro e vulva.
  Quem ousará dizer que ele é só alma?
  Quem não sente no corpo a alma a expandir-se
  até desabrochar em puro grito
  de orgasmo, num instante de infinito?
  
  O corpo noutro corpo entrelaçado,
  fundido, dissolvido, volta à origem
  dos seres, Platão viu contemplado:
  é um, perfeito em dois; são dois em um.
  
  Integração na cama ou já no cosmo?
  Onde termina o quarto e chega aos astros?
  Que força em nossos flancos nos transporta
  a essa extrema região, etérea, eterna?
  
  Ao delicioso toque do clitóris
  já tudo se transforma, num relâmpago.
  Em pequenino ponto desse corpo,
  a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
  
  Vai a penetração rompendo nuvens
  e devassando sóis tão fulgurantes
  que nunca a vista humana os suportara,
  mas, varado de luz, o coito segue.
  
  E prossegue e se espraia de tal sorte
  que, além de nós, além da própria vida,
  como ativa abstração que se faz carne,
  a idéia de gozar esta gozando.
  
  E num sofrer de gozo entre palavras,
  menos que isto, sons, arquejos, ais.
  um só espasmo em nós atinge o clímax:
  é quando o amor, morre de amor divino.
  
  Quantas vezes morremos um no outro,
  no úmido subterrâneo da vagina
  nessa morte mais suave do que o sono:
  a pausa dos sentidos, satisfeita.
  
  Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
  estendidos na cama, qual estátuas.
  vestidas de suor, agradecendo
  o que a um deus acrescenta o amor terrestre
  
   
  No mármore de tua bunda gravei o meu epitáfio.
  Agora que nos separamos, minha morte já não me pertence.
  Tu a levaste contigo.
   
  
  
Era bom alisar seu traseiro marmóreo
  e nele soletrar meu destino completo:
  paixão, volúpia, dor, vida e morte beijando-se
  em alvos esponsais numa curva infinita.
  Era amargo sentir em seu frio traseiro
  a cor de outro final, a esférica renúncia
  a toda aspiração de amá-la de outra forma.
  Só a bunda existia, o resto era miragem.
  
  
  
  Bundamel bundalis bundacor bundamor
  bundalei bundalor bundanil bundapão
  bunda de mil versões, pluribunda unibunda
          bunda em flor, bunda em al
          bunda lunar e sol
          bundarrabil
  
  Bunda maga e plural, bunda além do irreal
  arquibunda selada em pauta de hermetismo
          opalescente bun
          incandescente bun
  meigo favo escondido em tufos tenebrosos
  a que não chega o enxofre da lascívia
  e onde
  a global palidez de zonas hiperbóreas
  concentra a música incessante
  do girabundo cósmico.
  
  Bundaril bundilim bunda mais do que bunda
  Bunda mutante/renovante
  que ao número acrescenta uma nova harmonia.
  Vai seguindo e cantando e envolvendo de espasmo
  o arco de triunfo, a ponte de suspiros
  a torre de suicídio, a morte do Arpoador
          bunditálix, bundífoda
  bundamor bundamor bundamor bundamor.
  
  
   
  
  São flores ou são nalgas
  estas flores
  de lascivo arabesco?
  São nalgas ou são flores
  estas nalgas
  de vegetal doçura e macieza?  
A castidade com que abria as coxas
  e reluzia a sua flora brava.
  Na mansuetude das ovelhas mochas,
  e tão estreita, como se alargava.  
  Ah, coito, coito, morte de tão vida,
  sepultura na grama, sem dizeres.
  Em minha ardente substância esvaída,
  eu não era ninguém e era mil sere  
  sem mim ressuscitados. Era Adão,
  primeiro gesto nu ante a primeira
  negritude de corpo feminino.  
  Roupa e tempo jaziam pelo chão.
  E nem restava mais o mundo, à beira
  dessa moita orvalhada, nem destino.  
À meia-noite, pelo telefone,
  conta-me que é fulva a mata do seu púbis.
  Outras notícias
  do corpo não quer dar, nem de seus gostos.
  Fecha-se em copas:
  “Se você não vem depressa até aqui
  nem eu posso correr à sua casa,
  que seria de mim até o amanhecer?”  
Concordo, calo-me.
  
  Mulher andando nua pela casa
  envolve a gente de tamanha paz.
  Não é nudez datada, provocante.
  É um andar vestida de nudez,
  inocência de irmã e copo d’água.  
  O corpo nem sequer é percebido
  pelo ritmo que o leva.
  Transitam curvas em estado de pureza,
  dando este nome à vida: castidade.  
  Pêlos que fascinavam não perturbam.
  Seios, nádegas (tácito armistício)
  repousam de guerra.  
Também eu repouso.
  
  Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
  de magnificar meu membro.
  Sem que eu esperasse, ficastes de joelhos
  em posição devota.
  O que passou não é passado morto.
  Para sempre e um dia
  o pénis recolhe a piedade osculante de tua boca.  
  Hoje não estás sem sei onde estarás,
  na total impossibilidade de gesto ou comunicação.
  Não te vejo não te escuto não te aperto
  mas tua boca está presente, adorando.  
Adorando.
Nunca pensei ter entre as coxas um deus.
A carne é triste depois da felação
  Depois do sessenta-e-nove a carne é triste.
  É areia, o prazer? Não há mais nada
  Após esse tremor? Só esperar
  Outra convulsão, outro prazer
  tão fundo na aparência mas tão raso
  na eletricidade do minuto?
  Já dilui o orgasmo na lembrança
  E gosma
  escorre lentamente de tua vida
  
  A rede entre duas mangueiras
  balançava no mundo profundo.
  O dia era quente, sem vento.
  O sol lá em cima,
  as folhas no meio,
  o dia era quente.  
  E como eu não tinha nada que fazer vivia
  namorando as pernas morenas da lavadeira.  
  Um ida ela veio para a rede,
  se enroscou nos meus braços
  me deu um abraço,
  me deu as maminhas
  que eram só minhas.
  A rede virou,
  o mundo afundou.  
  Depois fui para a cama
  febre 40 graus febre.
  Uma lavadeira imensa, com duas tetas imensas,
  girava no espaço verde.  
  Quero conhecer a puta.
  A puta da cidade. A única.
  A fornecedora.
  Na rua de Baixo
  Onde é proibido passar.
  Onde o ar é vidro ardendo
  E labaredas torram a língua
  De quem disser: Eu quero
  A puta
  Quero a puta quero a puta.  
  Ela arreganha dentes largos
  De longe. Na mata do cabelo
  Se abre toda, chupante
  Boca de mina amanteigada
  Quente. A puta quente.  
  É preciso crescer esta noite inteira sem parar
  De crescer e querer
  A puta que não sabe
  O gosto do desejo do menino
  O gosto menino
  Que nem o menino
  Sabe, e quer saber, querendo a puta.  
  Como é o corpo?
  Como é o corpo da mulher?
  Onde começa: aqui no chão
  Ou na cabeleira, e vem descendo?
  Como é a perna subindo e vai subindo
  Até onde?
  Vê-la num corisco é uma dor
  No peito, a terra treme.
  Diz-que na mulher tem partes lindas
  E nunca se revelam.  
  Maciezas
  Redondas. Como fazem
  Nuas, na bacia, se lavando,
  Para não se verem nuas nuas nuas?
  Por que dentro do vestido muitos outros
  vestidos e brancuras e engomados,
  Até onde? Quando é que já sem roupa
  É ela mesma, só mulher? E como que faz
  Quando que faz
  Se é que faz
  O que fazemos todos porcamente?  
  
  Sob o chuveiro amar, sabão e beijos, 
  ou na banheira amar, de água vestidos, 
  amor escorregante, foge, prende-se, 
  torna a fugir, água nos olhos, bocas, 
  dança, navegação, mergulho, chuva, 
  essa espuma nos ventres, a brancura 
  triangular do sexo -- é água, esperma, 
  é amor se esvaindo, ou nos tornamos fontes?  
  Sugar e ser sugado pelo 
  amor
  no mesmo instante         boca milvalente
  o corpo dois em um         o gozo pleno
  que não pertence a mim nem te pertence
  um gozo de fusão difusa transfusão
  o lamber o chupar e ser chupado
          no mesmo espasmo
  é tudo boca boca boca boca
  sessenta e nove vezes boquilíngua. 
  
  
 
Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas
detêm a mão ansiosa: Devagar.
Cada pétala ou sépala seja lentamente
acariciada, céu; e a vista pouse,
beijo abstrato, antes do beijo ritual,
na flora pubescente, amor; e tudo é sagrado.
O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a húmida trama.
E para repousar do amor, vamos à cama.
os fios de cabelo religados
por laços mínimos de fita
são tudo que dos montes hoje resta,
visitados por mim, montes de Vênus.
Apalpo, acaricio a flora negra,
e negra continua, nesse branco
total do tempo extinto
em que eu, pastor falante, apascentava
caracóis perfumados, anéis negros,
cobrinhas passionais, junto do espelho
que com elas rimava, num clarão.
Os movimentos vivos no pretérito
enroscam-se nos fios que me falam
de perdidos arquejos renascentes
em beijos que da boca deslizavam
para o abismo de flores e resinas.
Vou beijando a memória desses beijos.
  Coxas, bundas, coxas
  
  Coxas
  bundas
  lábios
  cheiros
  
  bundas
  coxas
  línguas
  vulvas
  
  coxas
  bundas
  unhas
  céus
  terrestres
  infernais
  no espaço ardente de uma hora
  intervalada em muitos meses
  de abstinência e depressão.